Texto Integral: | 1. A freguesia da Pocariça propôs contra a Assembleia da República e o seu Presidente acção administrativa comum pedindo que e fossem condenados a adoptar as “condutas necessárias ao restabelecimento de direitos e interesses violados, nomeadamente, que seja corrigida a representação cartográfica anexa à Lei n.º 51-B/93, de 9/7, de modo a que o limite sul da freguesia da Camarneira conste como o descrito no art.º 2.º da Lei que a criou, desde que o lugar do Montinho passou a integrar o território da freguesia da Pocariça.”
Em resumo alegou que o lugar de Montinho, que era parte integrante das freguesias de Febres e Covos, passou a fazer parte da freguesia da Pocariça por força do DL 29978, de 17/10/39, e a partir desta data e durante muitos anos foi pacífico o seu limite norte/sul.
No entanto, a Lei 51-B/93, de 9/07, criou a freguesia da Camarneira e nesse diploma foram indicados vários limites a sul, havendo divergência entre a descrição constante do seu texto e o que consta no mapa anexo pois que, segundo este texto “parte do território afecto ao lugar de Montinho, passa, indevidamente, a pertencer à freguesia de Camarneira, contrariamente ao indicado no mapa publicado”. A criação da freguesia da Camarneira decorrente daquela Lei, ao incluir na área da nova freguesia uma área que é parte integrante da Autora era, assim, ilegal pois “incorre em vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto”.
Deste modo, cabendo à jurisdição administrativa competência para conhecer de acção em que se peticione que se declare que um determinado terreno faz parte de uma freguesia, concluiu pedindo a condenação dos RR a adoptar as medidas necessárias à correcção da representação cartográfica anexa à citada Lei por forma a que o lugar de Montinho continue a fazer parte da freguesia de Pocariça.
A Assembleia da República e o seu Presidente contestaram para dizer que o que ora estava em causa era o acto legislativo que criara uma determinada freguesia e que estabelecera os seus limites territoriais e, portanto, que o que aqui tinha sido posto em causa era uma iniciativa decorrente da sua competência legislativa. “Bem vistas as coisas o que a Autora pede ao Tribunal .... é que, em face de uma Lei alegadamente dúbia ou incongruente, em vez de proceder à sua interpretação e aplicação, para dirimir um conflito concreto, no exercício da sua normal função jurisdicional, ordene ao legislador que emita uma nova lei substituindo ou corrigindo a lei dúbia ou incongruente”. O litígio configurado na petição inicial não relevava, assim, de uma relação jurídico-administrativa mas sim da política legislativa da AR e, por isso, o Tribunal era absolutamente para conhecer da pretensão formulada nesta acção.
Acrescia que a Junta da Freguesia da Camarneira deveria ter sido demandada como contra interessada e não o ter sido determinava a sua ilegitimidade passiva.
2. O que ora está em causa é, como se vê, a pretensão da freguesia da Pocariça de ver a Assembleia da República condenada a corrigir “a representação cartográfica anexa à Lei n.º 51-B/93, de 9/7, de modo a que o limite sul da freguesia da Camarneira conste como o descrito no art.º 2.º da Lei que a criou”, pretensão que os RR consideram não poder ser satisfeita uma vez que, por um lado, a mesma se relaciona com a sua competência político-Iegislativa e, por outro, e concorrentemente, que os Tribunais nada podem dispor a esse propósito.
E é manifesto que a Assembleia da República tem razão.
Com efeito, nos termos da al.ª n) do art.º 164.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) é da competência exclusiva da Assembleia da República legislar sobre “a criação, extinção e modificação de autarquias locais e respectivo regime, sem prejuízo dos poderes das regiões autónomas”, atribuição que o seu art.º 236.º/4 completa dizendo que “a divisão administrativa do território será estabelecida por lei” e que o art.º 2.º da Lei 8/93, de 5/03, concretiza ao estatuir que a criação de freguesias é da competência exclusiva da Assembleia da República. A criação de autarquias locais e o estabelecimento dos seus limites territoriais é, assim, da competência exclusiva da Assembleia da República o que bem se compreende já que tal constitui um acto essencialmente político inserido na sua função político-legislativa.
Sendo assim, e sendo que, em harmonia com as citadas normas constitucionais, o art.º 4.º/2/a) do ETAF prescreve que “está excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto a impugnação de actos praticados no exercício da função política e legislativa” é, manifestamente, evidente que não cabe aos Tribunais Administrativos proferir a decisão pretendida pela Autora. O que estes podem fazer é, unicamente - como ensina a jurisprudência citada pela Autora - dirimir conflitos entre autarquias locais relacionados com os seus limites territoriais, coisa bem diferente da pretensão formulada nestes autos.
E, tão pouco, pode ser invocado o disposto no art.º 72.º do CPTA visto as normas cuja impugnação pode ser feita ao abrigo dessa disposição serem apenas as normas administrativas emanadas ao abrigo de disposições de direito administrativo emitidas pela Administração no exercício da sua função administrativa. O que não é, manifestamente o caso dos autos.
É, assim, evidente que só à Assembleia da República assiste o direito de rectificar os limites territoriais da freguesia da Camarneira ou de corrigir a sua representação cartográfica anexa à Lei n.º 51-B/93, de 9/7, e que este Tribunal não dispõe de qualquer competência que lhe permita compelir aquele órgão de soberania a satisfazer a pretensão da Autora.
O que vale por dizer que este Supremo Tribunal é incompetente, em razão da matéria, para conhecer da matéria aqui suscitada.
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em declará-lo incompetente, em razão da matéria, para conhecer do pedido formulado nesta acção.
Custas pela Autora.
Lisboa, 4 de Novembro de 2010. – Alberto Acácio de Sá Costa Reis (relator) – Jorge Artur Madeira dos Santos – Luís Pais Borges. |
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