Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 020/11 |
Data do Acordão: | 16-02-2012 |
Tribunal: | CONFLITOS |
Relator: | FERNANDA XAVIER |
Descritores: | PRÉ-CONFLITO ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO JURISDIÇÃO COMUM COMPETÊNCIA |
Sumário: | I- Os tribunais comuns são os competentes para conhecer de uma acção de reivindicação instaurada ao abrigo do artº1311º do CC, onde se peticiona a condenação do Réu a reconhecer o direito de propriedade do Autor sobre determinado terreno que havia sido objecto de acto expropriativo judicialmente declarado nulo e a consequente restituição desse terreno ao Autor. II- O tribunal competente para conhecer do pedido acessório (fixação de uma sanção compulsória desde a data da declaração de nulidade do acto expropriativo até à entrega do bem reivindicado ou pagamento de uma indemnização substitutiva), cumulado com os pedidos referidos em I, é o mesmo que é competente para conhecer o pedido principal. |
Nº Convencional: | JSTA000P13796 |
Nº do Documento: | SAC20120216020 |
Data de Entrada: | 09-09-2011 |
Recorrente: | A......, NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O 1º JUÍZO CIVEL DO TRIBUNAL JUDICIAL DE VILA DO CONDE E OS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS |
Recorrido 1: | * |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes do Tribunal de Conflitos: I- RELATÓRIO A………, com os sinais dos autos, veio interpor recurso para o Tribunal de Conflitos, ao abrigo do artº107º, nº2 do CPC, do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido a fls. 580 e seguintes que, confirmando a sentença da 1ª Instância quanto à declarada incompetência material do tribunal da comarca para conhecer da acção por serem competentes os tribunais administrativos, julgou a apelação improcedente. Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões: 1. A competência dos tribunais em razão da matéria afere-se pelo modo como a acção é delineada. 2. Competência esta que será daquele Tribunal que melhor estiver vocacionado para apreciar a questão colocada pelo autor. 3. Na verdade, o aresto recorrido configura a acção apresentada em juízo como versando sobre responsabilidade civil extracontratual das Rés, quando na verdade o meio de que o autor lançou mão constitui uma acção de reivindicação, enquanto meio de defesa do seu direito real de propriedade. 4. O Recorrente intentou uma acção de reivindicação, acção de cariz jurídico unicamente de direito privado, o que de acordo com o artº209º da CRP, 18º da LOFTJ e 66º do CPC, configura uma questão que cabe aos tribunais comuns decidir, uma vez que não estamos perante uma relação de natureza jurídica administrativa. 5. Mesmo que estivéssemos perante acção tendente a obter a responsabilidade civil extracontratual de pessoas colectivas de direito público, estaríamos ainda assim no âmbito da competência dos tribunais comuns, porquanto não há, do ponto de vista jurídico, acto administrativo que lhe dê suporte, o qual, em sede própria, foi declarado nulo e de nenhum efeito. 6. Não cabendo, no âmbito de aplicação dos Tribunais Administrativos, como dispõem os artigos 1º e 4º do ETAF, interpretados a contrario senso. 7. Por sua vez, também o pedido de indemnização pelo dano da privação do uso é da competência dos Tribunais comuns. 8. Ademais e como avança o acórdão do Tribunal de Conflitos nº012/10, de 09 de Junho de 2010, proferido pelo Conselheiro Madeira dos Santos, “As acções de reivindicação são acções reais, que não se confundem com as acções obrigacionais em que se exerça a responsabilidade civil extracontratual.» 9. Porque tal acto lesivo decorre da violação do direito de propriedade dos recorridos, direito este do âmbito puramente privado. * Contra-alegaram as recorridas B………SA e C………, concluindo assim as suas alegações:1. Bem andou o Tribunal a quo ao declarar a incompetência material dos tribunais comuns para a apreciação do presente litígio, nos termos da alínea g) e i) do nº1 do artº4º do ETAF e à luz dos quadros da responsabilidade extracontratual – não obstante o Recorrente apresentar uma aparente acção de reivindicação. 2. O pedido de restituição da parcela de terreno do Recorrente, conforme o estado em que se encontrava à data da ocupação, integra uma das formas de indemnização por reconstituição natural – cf. artº562º e 566º do Código Civil. 3. “No fundo a A. pretende ver reparada a ofensa ao seu direito de propriedade sobre o prédio dos autos, reparação que, nos termos peticionados, passa pela reposição do prédio na situação anterior à sua ocupação pelo Réu, o que corresponde, ao menos materialmente, a efectivação de responsabilidade civil do R., pela referida ocupação do prédio da A.”. 4. O que o Recorrente pretende com a presente acção mais não é do que uma indemnização através da restituição in natura da parcela ocupada, o que se reconduz ao instituto da responsabilidade extracontratual. 5. Nos termos do nº1 da Base VII das Bases da Concessão aprovadas pelo Dec. Lei nº 284-A/1999, de 6 de Julho, “as zonas das auto-estradas e os conjuntos viários a elas associados que constituem o estabelecimento físico da Concessão integram o domínio público do concedente”, pelo que a parcela expropriada integra agora o domínio público do Estado. 6. Assim, não sendo possível restituir in natura a parcela em causa, uma vez que a mesma integra o domínio público, o Recorrente teria apenas direito a receber uma indemnização fixada em dinheiro, tudo nos termos do nº2 do artº202º e do nº1 do artº566º do Código Civil. 7. A alínea g) do nº1 do artigo 4º do ETAF refere que “compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo a resultante do exercício da função jurisdicional e da função legislativa.” 8. Tal como defendem MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, “(…) sempre que essas pessoas (pessoas colectivas de direito público) devam responder extracontratualmente por prejuízos causados a outrem, o julgamento da respectiva causa pertencerá à jurisdição administrativa, independentemente da qualificação do acto lesivo como acto de gestão pública ou de gestão privada”. 9. Ora, dúvidas não podem restar quanto ao facto de a recorrida EP se reger pelo estatuto de pessoa colectiva de direito público – “(…) rege-se pelo estatuto de pessoa colectiva de direito público, de acordo com o disposto no artº23º do DL 558/99 de 22 de Julho, e no artº3º do DL 374/2007 de 07 de Novembro.” 10. Destarte, nos termos do artigo 211º e do nº3 do artigo 212º da Constituição da República Portuguesa, do artigo 18º da Lei de Organização dos Tribunais Judiciais, dos artº66º, 101º, 105º e 493º do Código de Processo Civil e das alíneas g) e i) do artigo 4º do ETAF, os tribunais judiciais são incompetentes em razão da matéria. 11. Dispõe o nº1 do artº1ºdo DL nº 67/2007, de 31 de Dezembro que “A responsabilidade civil extracontratual do Estado e das demais pessoas colectivas de direito público por danos resultantes do exercício da função legislativa, jurisdicional e administrativa rege-se pelo disposto na presente lei, em tudo o que não esteja previsto em lei especial”. 12. O nº5 do mencionado preceito legal estatui que “As disposições que na presente lei regulam a responsabilidade das pessoas colectivas de direito público, bem como dos titulares dos seus órgãos, titulares e agentes, por danos decorrentes do exercício da função administrativa, são também aplicáveis à responsabilidade civil das pessoas colectivas de direito privado e respectivos trabalhadores, titulares de órgãos sociais, representantes legais ou auxiliares, por acções ou omissões que adoptem no exercício de prorrogativas do poder político ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo”. 13. Ou seja, “(…) no artigo 1º, nº5, coloca-se a possibilidade de entidades privadas – entre as quais um concessionário – serem civilmente responsabilizados segundo um regime de direito público, o que pressupõe naturalmente que tais entidades possam ser demandadas individualmente em processo indemnizatório a intentar perante os tribunais administrativos”, sendo certo que a regra da competência dos tribunais administrativos é aferida de acordo com o disposto na alínea i) do nº1 do artigo 4º do ETAF, conforme supra demonstrado. 14. Estando em causa uma acção de responsabilidade extracontratual do Estado, na qual são Partes uma pessoa colectiva de direito público e pessoas colectivas de direito privado, designadamente uma concessionária, outra não poderá ser a conclusão que não seja a de que, para dirimir o presente litígio, será competente a jurisdição administrativa e não - conforme alega, sem sucesso, o Recorrente – a jurisdição comum. 15. Independentemente da configuração da acção com recurso aos institutos da responsabilidade extracontratual ou da reivindicação, a competência para dirimir o presente litígio sempre estaria cometida aos tribunais administrativos, por força do preceituado na cláusula geral do nº1 do artº1º do ETAF. 16. Na definição de Vieira de Andrade, as relações jurídicas administrativas “são aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos, é uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido.” 17. Afirma, ainda, Freitas do Amaral que a relação jurídico administrativa é aquela que confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante os particulares ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a Administração. 18. Desta forma, a ocupação da parcela do Recorrente, por força de um processo expropriativo e os consequentes trabalhos de concessão de uma obra pública, ao abrigo de um Contrato de Concessão, constituem, sem margem para dúvidas, actos de gestão pública e configuram, de per si, uma verdadeira relação jurídico-administrativa. 19. Chame-se à colação, igualmente, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21.10.2008, o qual contende com a ocupação não titulada, por um Município, de um terreno de um particular, com vista à prossecução de obra de interesse público: “É que a responsabilidade assacada ao réu Município tem origem na prática de um acto compreendido no exercício de um poder público e integrando ele mesmo a realização de uma função pública. Pode, por isso, dizer-se que estamos perante uma relação materialmente administrativa, a reclamar a intervenção da correspondente jurisdição para o respectivo julgamento.” 20. Nos acórdãos dos nossos Tribunais Superiores citados pelo Recorrente não está em causa qualquer prerrogativa de ius imperium, pelo que as situações não poderão ser - de boa fé - comparadas. 21. Não obstante o vício que pode ser assacado ao referido acto administrativo, o qual foi entretanto regularizado, o facto é que, já há vários anos, se encontra edificada uma via rodoviária na parcela objecto de expropriação, sendo tal circunstância relevante para a análise dos efeitos decorrentes da nulidade da DUP. 22. Estabelece o nº3 do artº 134º do CPA o seguinte: “ O disposto nos números anteriores não prejudica a possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de actos nulos, por força do simples decurso do tempo, de harmonia com os princípios gerais de direito.” 23. Com efeito, “ os efeitos putativos considerados no preceito legal são apenas os derivados do decurso do tempo, ou seja, os que resultam da efectivação prática dos efeitos do acto nulo por um período prolongado no tempo – o que mostra o quão falaciosa é, do ponto de vista jurídico-prático, a ideia de que o acto nulo não produz efeitos, independentemente da declaração da sua nulidade. 24. “A verdade é que também há (pode haver) efeitos putativos ligados a outros factos de estabilidade das relações sociais, como os da protecção da confiança e da boa fé, do suum cuique tribuere, da igualdade, do não locupletamento e até da realização do interesse público - princípios que podem, todos, a ser chamados a colmatar situações de injustiça derivadas da aplicação estrita do princípio da legalidade e da “absolutidade” (Rebelo de Sousa, ec. Cit. Pág.48) do acto nulo”. 25. De facto, ninguém poderá duvidas que o interesse do Recorrente em reaver a sua parcela deve ceder quando confrontado com: (i) a boa fé das Recorrentes aquando da ocupação do seu terreno, (ii) o facto de aquele ter já sido indemnizado pela expropriação, (iii) o facto de o processo expropriativo ter sido regularizado e (iv) o interesse público traduzido da manutenção da Auto-Estrada. 26. Coisa diferente seria se a ocupação da parcela da Recorrente – e a consequente violação do direito de propriedade – não implicasse nenhuma norma ou princípio de direito administrativo. 27. Sucede, porém, que a hipotética violação do direito de propriedade da Recorrente implica a aplicação e interpretação de várias normas e princípios de direito administrativo, como seja a aplicação e interpretação do Contrato de Concessão, na medida em que só assim se poderá perceber quem é a entidade expropriante, a afectação das parcelas ao domínio público do Estado, o papel reservado às Recorridas, enquanto concessionária e empreiteiro, quem é que possui os terrenos objecto de expropriação e entre outras posições subjectivas. 28. É ainda necessário ter presente as normas administrativas relativas ao procedimento administrativo (só assim se compreende que as ora Recorridas possuíam título válido para ocupar a parcela do Recorrente, não obstante a invalidade da DUP). 29. Importa, não olvidar, igualmente, que a eventual restituição da parcela do Recorrente poderá ser (e, antevemos, será) afastada, quando contraposta aos princípios, por um lado, elementares (com o princípio da proporcionalidade) e, por outro lado, específicos (como o princípio da intangibilidade da obra pública, o princípio dos efeitos putativos dos actos nulos e o princípio da causa legítima de inexecução) do direito administrativo. 30. Assim, por força da relação jurídica em causa nos autos e independente da configuração material da acção, seriam, em qualquer caso, competentes para dirimir o presente litígio, os tribunais administrativos, à luz do artº211º e do nº3 do artº212º da Constituição da República Portuguesa, do artº18º da Lei da Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, dos artº66º, 101º, 105º e 493º do Código de Processo Civil e do artº1º do ETAF. 31. Ao intentar uma acção de “reivindicação” nos tribunais comuns, com vista aquilo que, no fundo, não passa de execução da decisão que declarou a nulidade da DUP, o Recorrente não só não utilizou o meio processual próprio e que se encontrava à sua disposição, como também acabou por originar a incompetência do tribunal a quo. 32. Prescreve o nº1 do artº173º do CPTA que “sem prejuízo de eventual poder de praticar novo acto administrativo, no respeito pelos limites do caso julgado, a anulação de um acto administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado (…) por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter actuado”-como se vê, precisamente aquilo que o Recorrente veio agora peticionar. 33. “Embora só se refira à anulação, é de entender que o Código pretende igualmente abarcar as declarações de nulidade ou inexistência jurídica desses actos, que constituem outros tipos de pronúncias que podem ser emitidas no âmbito dos processos de impugnação de actos administrativos (cf. artº46º, nº2, alínea a)) . 34. Sem prejuízo da execução voluntária da decisão anulatória, “quando a Administração não dê execução à sentença de anulação no prazo estabelecido no nº1 do artigo anterior pode o interessado fazer valer o seu direito à execução perante o tribunal que tenha proferido a sentença em primeiro grau de jurisdição”, sendo a petição que é autuada por apenso aos autos em que foi proferida a sentença de anulação, deve ser apresentada no prazo de seis meses contados desde o termo do prazo do nº1 do artigo anterior ou da notificação da invocação de causa legítima de inexecução a que se refere o mesmo preceito.” 35. Nestes termos, a pretensão aparente do Recorrente (reivindicação da parcela) e a pretensão “possível” (indemnização em dinheiro em substituição da indemnização in natura) encontram integral satisfação na tutela executiva prevista nos artº 173º a 179º do CPTA, tutela essa garantida, como já se viu, pelos tribunais administrativos e nunca pelos tribunais judiciais. * O Digno PGA emitiu douto parecer, que se transcreve:«1. Aos tribunais administrativos e fiscais incumbe assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimir a violação da legalidade e dirimir conflitos de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídico administrativas. E nos termos do artº212º da CRP –“Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídico administrativas e fiscais.” E Vieira de Andrade in “Justiça Administrativa”, 9ª edição, pág. 55 escreve – “Esta questão sobre o que se entende por “relação jurídica administrativa”, sendo fulcral, devia ser resolvida expressamente pelo legislador. Mas, na falta de uma clarificação legislativa, parece-nos que será porventura mais prudente partir-se do entendimento do conceito constitucional de “relação jurídica de direito administrativo”, com exclusão, nomeadamente, das relações de direito privado em que intervém a Administração. Segundo GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª Edição, p.815), a qualificação como “relações jurídicas administrativas ou fiscais”, “ transporta duas dimensões caracterizadoras: Seguindo, ainda a definição de VIEIRA DE ANDRADE (), a relação jurídica administrativa é « A actual definição legal, na esteira da lei fundamental, deixou de estribar a delimitação da jurisdição administrativa na distinção entre actos de gestão pública e actos de gestão privada, deslocando o pólo aglutinador para o conceito de relação jurídica administrativa e de função administrativa, em que avulta a realização de um interesse público levado a cabo através do exercício de um poder público e, portanto, de autoridade, seja por uma entidade pública, seja por uma entidade privada, em que esta actua no uso de prerrogativas próprias daquele poder ou no âmbito de uma actividade regulada por normas do direito administrativo ou fiscal. O artº 4º do ETAF delimita o âmbito da jurisdição administrativa, ganhando particular relevo para o que nos interessa, de entre as várias alíneas do nº1, as que dizem respeito à responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, dos titulares de órgãos, funcionários ou agentes e demais servidores públicos e ainda de sujeitos privados. Assim, compete aos tribunais de jurisdição administrativa ou fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto: «a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo por danos resultantes do exercício da função política e legislativa, nos termos da lei, bem como a resultante do funcionamento da administração da justiça» (alínea g), «responsabilidade civil extracontratual dos titulares dos órgãos, funcionários, agentes e demais servidores públicos» (alínea h); «responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados, aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público» (alínea i). (Ac. STA de 14.05.2009, rec.023/08) 2. Por outro lado, a competência (ou jurisdição) de um tribunal afere-se pela forma como o autor configura a acção, definida pelo pedido e pela causa de pedir, isto é, pelos objectivos com ela prosseguidos. E como se escreveu na decisão recorrida (fls.591) – “está em causa uma questão de responsabilidade civil extracontratual das demandadas, a saber, a violação danosa do alegado direito de propriedade em consequência de obra pública realizada pelas rés no âmbito de um contrato de empreitada de obras públicas”. Nos termos da alínea g), nº1, do artº4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pela Lei nº13/2002, de 19.02, na redacção da Lei nº107-D/2003, de 31.12, compete aos tribunais da jurisdição administrativa a apreciação de litígios que tenham por objecto questões, em que nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, quer por actos de gestão pública (como no ETAF/84), quer por actos de gestão privada. Como ensina o Prof. Freitas de Carvalho (In “Lições de Direito Administrativo”, edição policopiada, p.423), a “relação jurídica de direito administrativo” é aquela que confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à administração perante os particulares, ou aquela que atribui direitos ou impõe deveres públicos, aos particulares perante a administração”. Por sua vez, os tribunais judiciais não podem conhecer dos litígios que envolvem a Administração Pública enquanto poder administrativo – isto é, dos litígios em que esteja em causa a actuação da Administração Pública no exercício de uma actividade de gestão pública (Freitas do Amaral – Direito Administrativo II- 1988- 12). E pese embora o que se deixou escrito no ponto antecedente continua a ter interesse o que se decidiu no Tribunal de Conflitos, ac. 5.11.81 – relator o Exmo. Conselheiro Rui Pestana: «São actos de gestão privada os que se compreendem numa actividade em que a pessoa colectiva, despida de poder público, se encontra e actua numa posição de paridade com os particulares a que os actos respeitam e, portanto, nas mesmas condições e no mesmo regime em que poderia proceder um particular, com submissão às normas de direito privado; - São actos de gestão pública os que se compreendem no exercício de um poder público, integrando eles mesmos a realização de uma função pública da pessoa colectiva, independentemente de envolverem ou não o exercício de meios de coação e independentemente ainda das regras, técnicas ou de outra natureza, que na prática dos actos devam ser observadas. 3. A EP-Estradas de Portugal, EPE é uma empresa pública. E a competência será sempre dos Tribunais Administrativos mesmo que com o dono da obra seja demandado o empreiteiro particular (vide acs. de 20.02.08, proc. 019/07 e de 28.11.07, proc.6/07, ambos do Tribunal de Conflitos). 4. Como assim, no caso concreto, a competência será sempre dos tribunais administrativos (vide, neste sentido, entre outros, os acs. deste Tribunal de Conflitos de 20.01.2010, de 22.01.2010, de 05.05.2010 e de 17.06.2010, respectivamente, 25/09, 17/09 e 30/09). O recurso não merece provimento.» * II- OS FACTOSO acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos: 1. Por despacho do Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas nº11056-A/2003, publicado no DR II Série, de 3.6.2003, foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação das parcelas de terreno necessárias à execução da obra da concessão norte A7/IC5 – Póvoa de Varzim, Famalicão – Sublanços IC1 (Póvoa do Varzim) - EN 206 – Famalicão, identificadas no mapa e planta anexos. 2. Entre essas parcelas abrangidas pela expropriação assim decretada conta-se a nº23 do mapa anexo, com 26.291m2, pertencente ao A.. 3. No desenvolvimento do processo expropriativo, foi a parcela incorporada na auto-estrada A7. 4. Por acórdão de 19.06.2007, proferido no recurso nº1458/03.12, em que o Autor foi, com outros, recorrente e eram recorridos o Secretário de Estado das Obras Públicas e as aqui RR, o Supremo Tribunal Administrativo declarou nulo o acto identificado em 1 acima porque o seu autor não colheu prévio parecer favorável da Comissão de Reserva Agrícola de Entre Douro e Minho, parecer necessário porque a parcela 23 ora em causa – e só essa aqui interessa – estava integrada na Reserva Agrícola Nacional. O assim decidido transitou em julgado. 5. As parcelas referidas em I, estavam inseridas na RAN e aquando do Despacho ali mencionado não tinham sido desafectadas, nem tinha sido pedido parecer à Comissão de Reserva Agrícola. 6. Em reunião de 03.09.2004, a Comissão Regional de Reserva Agrícola de Entre Douro e Minho emitiu parecer favorável à utilização de 580.690m2 de solo agrícola para construção A7/IC5 (Póvoa do Varzim-Vila Nova de Famalicão). * III- O DIREITO1. É jurisprudência pacífica do Tribunal de Conflitos, que a competência se afere face ao pedido e à causa de pedir formulados na petição inicial, isto independentemente da bondade da pretensão do Autor, da correcção do meio processual utilizado e da legitimidade das partes para a acção, o que terá de ser analisado pelo tribunal que vier a ser considerado competente (Cf. por todos, o acórdão do T. Conflitos de 20.09.2011, P. 04/11 e de 09.12.2010, P.020/10 e a jurisprudência e doutrina ali citadas a este propósito) . Ora, assim sendo, importa, antes de mais, conhecer a pretensão dos AA, tal como foi formulada na petição inicial e reafirmada na réplica, face à excepção de incompetência material do tribunal judicial, invocada pelas RR, na contestação. Assim e na petição, os AA alegaram, em síntese, que a parcela de terreno aqui em causa (parcela 23) foi abrangida pelo despacho do SEOP nº11056-A/2003, que declarou a utilidade pública (DUP) de expropriação de parcelas de terreno com vista à execução da obra da concessão norte A7/IC5 – Póvoa do Varzim-Famalicão-Sublanços IC/1 (Póvoa do Varzim) - EN 206- Famalicão. Mais alegaram que, por acórdão do STA de 19.07.2007, P. 1458/03, já transitado em julgado, foi declarada a nulidade desse acto expropriativo, sendo que os RR nada fizeram para adquirir a referida parcela dos AA pela via do direito privado ou para lha devolver, tendo levado a cabo a referida obra de construção, violando, desse modo o seu direito de propriedade consagrado no artº62º da CRP (cf. artº1º a 30º da p.i.). Por isso e passamos a transcrever: «(…) Artº 31º Sendo esta a única forma do Autor ver reconhecido o seu direito de propriedade e de lhe ser devolvido o mesmo no estado em que se encontrava, a data da ocupação como se lhe impõe. Artº 32º É fundamental, face à inércia das Rés impor-lhes uma sanção pecuniária compulsória diária susceptível de as fazer devolver os terrenos, já que não obstante a decisão proferida pelo STA já transitada em julgado ter declarado a ilegalidade do acto administrativo invocado (acto nulo e de nenhum efeito), mesmo assim as Rés nada fizeram em total desrespeito pelo Tribunal. Artº33º Atento tudo isto e à dimensão da área ocupada, assim como a gravidade da situação descrita, a situação pecuniária deve ser substancialmente elevada de modo a convencer as Rés da reposição voluntária da legalidade, pelo que peticiona o montante de €100 por dia. Artº34º A indemnização pelo prejuízo provocado aos Autores será peticionada em acção autónoma por, de acordo com o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 12 de Dezembro de 2007 (cfr. em www.dgsi.pt), serem os tribunais administrativos e fiscais competentes para conhecerem de tal questão. Artº35º O Tribunal é competente em razão do território, valor e hierarquia nos termos dos artº 73º, 70º e 68º do CPC. Artº36º E em razão da matéria, uma vez que estamos perante uma questão de âmbito jurídico-privado, cuja apreciação está excluída do âmbito da jurisdição administrativa, de acordo com os artigos 212º, nº3 da CRP e dos artº 1º e 4º do ETAF (cf. a este respeito o citado Acórdão do TCAN de 12 de Dezembro de 2007). Artº37º As partes têm legitimidade, nos termos do artº26º do CPC. Artº 38º Os Autores farão acerto de contas entre o montante que receberam no processo expropriativo e a indemnização que lhes é devida pela ocupação e privação da propriedade, peticionada no tribunal administrativo por ser o competente. Nestes termos e nos melhores de direito deve a presente acção ser julgada procedente e provada e, por via dela, condenadas as Rés a: a. Reconhecer o Autor como dono e legítimo proprietário das parcelas de terreno supra identificadas e que as Rés ocuparam e mantêm na sua posse. b. Devolverem-nas ao Autor, no estado em que se encontravam à data da ocupação; c. A pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de €100,00 por dia, desde a data do Acórdão em que declarou nulo o acto expropriativo, até à sua entrega definitiva ou do pagamento de uma indemnização substitutiva, destinando-se metade para os Autores e metade para o Estado.» (sic) 2. As RR excepcionaram a incompetência material do Tribunal Judicial de Vila do Conde, onde a presente acção foi instaurada, porque, a seu ver e, em síntese, o que os AA pretendem agora é ser ressarcidos pelos prejuízos causados pela pretensa ocupação ilegal da parcela de terreno em causa, cuja expropriação foi declarada nula pelo referido acórdão do STA. Só que essa ocupação não decorre da actuação da Administração enquanto sujeito privado, mas investida no seu ius imperii, ou seja, enquanto entidade expropriante. Nesta medida, a relação material controvertida em questão não é uma relação de natureza privada, mas antes de natureza jurídico-administrativa, sendo competentes os tribunais administrativos para dela conhecer, nos termos do artº4º, nº1f) do ETAF e artº2º, nº2, f) do CPTA e artº268º, nº4 da CRP (cf. artº 1º a 11º do referido articulado). Excepcionaram ainda a impropriedade do meio processual utilizado pelos AA, que entendem devia ser a execução de julgado e ainda a sua ilegitimidade para a presente acção. Na réplica, os AA pronunciaram-se pela improcedência das excepções invocadas, alegando, no que respeita à invocada incompetência material do tribunal, «que, como resulta da p.i., a presente acção é uma acção típica de reivindicação, ou seja, uma acção típica de direito privado», que tendo o acto sido declarado nulo é como se não existisse, não produzindo quaisquer efeitos e que a ocupação do seu terreno pelas RR é de uma propriedade alheia. Estão, assim, os AA a reivindicar a sua propriedade de que foram desapossados ilegalmente. Quanto à impropriedade do meio processual referem, em síntese, que não está aqui em causa a execução do acórdão do STA que declarou nulo o acto expropriativo, mas sim uma acção de reivindicação, embora a Ré não tenha cumprido o acórdão, pois não adquiriu o terreno pela via privada, nem o devolveu aos AA, daí que estes tenham requerido a fixação de uma sanção compulsória ou indemnização substitutiva desde o trânsito daquele acórdão. 3. No despacho saneador, proferido a fls. 429 e segs., o Mmo. juiz, após extensas transcrições de um acórdão do Tribunal da Relação do Porto (fls. 432 a 438), de um acórdão do Tribunal Conflitos (fls. 438 a 445), de um acórdão do STJ (fls. 438 a 445), todos sobre o âmbito da jurisdição administrativa, após a reforma de 2004, no que respeita às acções de responsabilidade civil extracontratual, e do sumário de um acórdão do T. Conflitos, relativamente à competência da jurisdição administrativa, no âmbito de um procedimento cautelar (fls. 445 a 449), concluiu o seguinte: «…à luz dos ensinamentos doutrinais e jurisprudenciais por demais citados (), é fora de qualquer dúvida que os pedidos formulados pelos AA são da competência dos tribunais administrativos, nos termos das alíneas g) e i) do nº1 do artº4º do ETAF, não obstante se tratar de vulgar acção de reivindicação de direito privado, mas dirigida contra pessoas colectivas de direito público ou concessionárias às quais é aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público. O pedido de restituição, no estado em que se encontrava, do imóvel ocupado à sombra de acto expropriativo mais tarde declarado nulo, não é mais, que a indemnização por reconstituição natural, como previsto no nº1 do artº566º do CC» (fls.449). E voltando a transcrever doutrina e jurisprudência, agora sobre a execução de julgado (fls. 449 a 453), concluiu, finalmente que: «(…) a lei actual protege os direitos dos particulares, tanto na fase declarativa, como na fase executiva, sendo que, nos termos do artº176º do CPTA, quando a Administração não dê execução à sentença de anulação no prazo no prazo estabelecido no nº1 do artigo anterior, pode o interessado fazer valer o seu direito à execução perante o tribunal que tenha proferido a sentença em primeiro grau de jurisdição. Jamais perante os tribunais judiciais. Termos em que julgo incompetente em razão da matéria este tribunal judicial e absolvo os RR da instância – artº211º e 212, nº3 da Constituição, 18º da LOFTJ, 101º, 105º, nº1 e 493º, nº2 do CPC, 1º, 1 e 4º, al. g) e i) do ETAF, 173º a 179º e 483º e 562º a 566º do C. Civil.» (fls.453) As RR interpuseram recurso do despacho saneador para o Tribunal da Relação do Porto, que confirmou a decisão recorrida, com base nos artº4º, nº1 g), h) e i) do ETAF, porquanto e, em síntese: « (…) Alega o Autor/recorrente que lançou mão da acção de reivindicação. O pedido formulado foi o característico daquela acção (artº1311º, nº1 do CC). Mas tal pedido não pode ser satisfeito – como já não podia à data da instauração da acção – pelo que resta a indemnização em dinheiro. Em termos práticos, é como se desde o início o Autor peticionasse uma indemnização pela privação dos terrenos no período acima indicado. Conforme se escreveu na decisão recorrida, “está em causa uma questão de responsabilidade civil extracontratual das demandadas, a saber, a violação danosa do alegado direito de propriedade em consequência da obra pública realizada pelas rés no âmbito de um contrato de um contrato de empreitada de obras públicas”. Os pedidos formulados “são dirigidos contra pessoas colectivas de direito público ou concessionárias às quais é aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público.” A apreciação dessa responsabilidade encontra-se cometida aos tribunais administrativos, como se decidiu no despacho recorrido.» (sic) Apreciemos, então: 4. A competência absoluta do tribunal é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria (cf. artº 288, nº1, a) do CPC e 495º do CPC e artº 13º do CPTA). Como já referimos supra em 2, a competência do tribunal afere-se face ao pedido e à causa de pedir, tal como os mesmos são configurados pelo autor, irrelevando aqui quer a idoneidade do meio processual usado, quer a legitimidade das partes, questões que deverão ser apreciadas pelo tribunal que for declarado materialmente competente para a acção. Ora, como se vê do alegado, na petição, pelos autores da presente acção, levado ao ponto 2 supra, estamos, efectivamente, perante uma típica acção de reivindicação, apresentada nos termos do artº1311º do CC, como, aliás, os próprios RR e as instâncias, acabam por reconhecer, embora pretendam que a petição encerra uma pretensão indemnizatória, que deveria ter sido formulada junto dos tribunais administrativos, designadamente no âmbito da execução do acórdão que declarou nulo o acto expropriativo do terreno agora reivindicado. Mas, manifestamente, a petição não consente tal interpretação. E, já vimos que o que releva é o que está na petição, aliás, reiterado na réplica pelos autores. Se lhes assiste razão, ou não, quanto ao mérito, é outra questão que aqui não cabe resolver. Ora, os AA instauraram esta acção, como expressamente invocaram, ao abrigo do artº1311º, nº1 do CC, por considerarem estar ilegalmente desapossados de uma parcela de terreno que afirmam ser sua propriedade. Pretendem, por isso, que seja reconhecido judicialmente o seu direito de propriedade sobre a referida parcela de terreno, alegadamente ocupada, sem qualquer título, pelas RR e que estas lha restituam, pedidos que são os próprios de uma acção de reivindicação. Com efeito, nos termos do artº1311º, nº1 do CC, «O proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence.». E é isso que visam os Autores com a presente acção, como o têm reiteradamente afirmado nos autos. Não há, pois, qualquer dúvida que, contrariamente ao decidido nas instâncias, os Autores não pretendem, através da presente acção obter qualquer indemnização pela alegada ocupação ilegal do terreno em causa. Aliás, os Autores expressamente alegaram, logo no artº34º da petição, que «A indemnização pelo prejuízo provocado aos Autores será peticionada em acção autónoma por, de acordo com o Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, de 12 de Dezembro de 2007 (cfr. www.dgsi.pt), serem os tribunais administrativos e fiscais competentes para conhecerem de tal questão» e no artº38º do mesmo articulado que «Os Autores farão acerto de contas entre o montante que receberam no processo expropriativo e a indemnização que lhes é devida pela ocupação e privação da propriedade, peticionada no tribunal administrativo por ser o competente». Portanto, os Autores pretendem instaurar ou já instauraram uma acção nos tribunais administrativos, com vista a serem indemnizados pelos prejuízos decorrentes da alegada ocupação ilegal e privação da sua propriedade. 5. Ou seja, a competência dos tribunais administrativos para conhecer da eventual acção de responsabilidade civil extracontratual pelos prejuízos decorrentes da expropriação ilegal, não está sequer controvertida nos autos, já que AA e RR concordam ser esses os tribunais competentes. O que está aqui controvertido é, afinal, tão só a interpretação que os RR deram à petição inicial, pretendendo ver na presente acção, uma acção indemnizatória, interpretação que as instâncias acolheram. Mas, com o devido respeito, mal, pois, como vimos, estamos aqui, claramente, perante uma acção de reivindicação do direito de propriedade e, portanto, perante uma acção real, da competência da jurisdição comum, nos termos dos artº211º, nº1 da CRP, artº 66º do CPC e artº18º da LOTJ, já que não existe qualquer norma especial que a subtraia do âmbito dessa jurisdição, designadamente no ETAF. Na verdade, sendo a competência da jurisdição comum de natureza residual, como é pacífico na doutrina e na jurisprudência, nela caberão todos os litígios que não sejam atribuídos a outra jurisdição, sendo certo que um pedido de reconhecimento do direito de propriedade sobre um prédio e o consequente pedido de restituição desse prédio aos AA, é próprio de uma acção de reivindicação, que tem por fim típico a devolução da res reivindicada pelo seu proprietário e não de uma acção de responsabilidade civil extracontratual, que tem natureza meramente obrigacional. Como já decidiu o Tribunal de Conflitos, « …as acções de reivindicação são reais, o que imediatamente as distingue das acções de responsabilidade civil, que têm natureza obrigacional. A devolução da coisa, pedida pelo “dominus” que a reivindica, não constitui uma qualquer indemnização “in natura”, mas a lógica consequência da sequela, que é um atributo característico dos direitos reais. (…) A acção de reivindicação é alheia a uma qualquer responsabilidade extracontratual do réu. (…). Ora, não há no ETAF uma norma que atribua competência à jurisdição administrativa para o conhecimento de acções de reivindicação (vide, a propósito, o seu artº4º). Solução que bem se compreende, pois o que nelas essencialmente se discute é a questão, puramente de direito privado, de saber se o direito real invocado pelo «dominus» existe e é oponível ao réu, por forma a tirar-lhe a detenção da coisa; e só acidentalmente se colocará um problema ligado ao direito público – se o detentor se socorrer de regras desta ordem para titular e legitimar a detenção» (Cf. acórdão do T. Conflitos de 09.06.2010, P. 012/10. No mesmo sentido, entre outros, os acórdãos do T. Conflitos de 29.09.2010, P. 02/10 e de 20.10.2011, P. 20/11.). E, assim sendo, saber se, no presente caso, existe o invocado direito de propriedade e, existindo, se há lugar à restituição do terreno aos seus proprietários e em que termos, é questão que se prende já com o mérito da causa, a resolver pelo tribunal competente para a mesma, que já vimos ser o tribunal comum. Finalmente, dir-se-á, que a cumulação com os pedidos de reconhecimento do seu direito de propriedade e da consequente restituição do terreno aqui em causa, de um pedido de fixação de uma sanção compulsória desde a data do acórdão que declarou nulo o acto expropriativo até à entrega definitiva do bem reivindicado, ou pagamento de uma indemnização substitutiva, é irrelevante para a definição da competência do tribunal. Tratando-se de um pedido acessório, o tribunal competente para dele conhecer será o mesmo que é competente para conhecer do pedido principal, no caso, o tribunal comum. Face ao anteriormente exposto, resta concluir pela competência da jurisdição comum, pelo que o acórdão recorrido não se pode manter. * IV- DECISÃOTermos em que acordam os juízes deste Tribunal em conceder provimento ao recurso, revogar o acórdão recorrido e declarar a competência da jurisdição comum para conhecer da presente acção. Sem custas. Lisboa, 16 de Fevereiro de 2012. – Fernanda Martins Xavier e Nunes (relatora) – Gabriel Martins dos Anjos Catarino – Alberto Augusto Andrade de Oliveira – João Carlos Pires Trindade – Luís Pais Borges – José Adriano Machado Souto de Moura. |
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