Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0621/10 |
Data do Acordão: | 23-02-2012 |
Tribunal: | 2 SUBSECÇÃO DO CA |
Relator: | ANTÓNIO MADUREIRA |
Descritores: | CARREIRA DIPLOMÁTICA EMBAIXADOR PROMOÇÃO |
Sumário: | I - A promoção a embaixador só pode ser feita, pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, desde que se verifiquem os seguintes requisitos vinculados: (i) existência de vaga; (ii) existência de ministros plenipotenciários que tiverem cumprido quatro anos de serviço na respectiva categoria e um mínimo de oito anos nos serviços externos»; (iii) depois de ouvir o secretário geral do ministério (art. 20.º, n.ºs 1 e 2 do Estatuto da Carreira Diplomática, aprovado pelo DL n.º 40-A/98, de 27/2). II - Verificados estes requisitos, efectua essas promoções com base na apreciação das qualidades dos ministros plenipotenciários e dos serviços por eles prestados, apreciação para a qual lhe é atribuída discricionariedade pura, total liberdade de escolha, tendo em conta a específica natureza da actividade dos embaixadores, a mais alta categoria da carreira diplomática, e aos quais compete chefiar as mais importantes missões diplomáticas (artigo 40.º, n.º 1, do Estatuto), executando a política externa do Estado, a defesa dos seus interesses no plano internacional e a protecção, no estrangeiro, dos direitos dos cidadãos portugueses (artigo 4.º do Estatuto). III - Essa promoção é efectuada por decreto (artigo 24.º da Lei Orgânica do Ministério dos Negócios Estrangeiros, aprovada pelo DL n.º 204/2006, de 27 de Outubro), não integrando esse acto o universo dos actos administrativos sujeitos a fundamentação, pois que a lei não reconhece aos ministros plenipotenciários que satisfaçam os requisitos legalmente estabelecidos qualquer direito à promoção a embaixador ou mesmo qualquer interesse legalmente protegido, mas apenas a mera expectativa de o serem. |
Nº Convencional: | JSTA000P13801 |
Nº do Documento: | SA1201202230621 |
Data de Entrada: | 16-07-2010 |
Recorrente: | A...... |
Recorrido 1: | PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS E MINISTÉRIO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1. RELATÓRIO 1. 1. A………, devidamente identificado nos autos, intentou a presente acção administrativa especial contra a Presidência do Conselho de Ministros e o Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qual impugnou os seguintes actos: a) Despacho conjunto do Primeiro Ministro e do Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros n.º 6602/2010, de 12/3/2010, publicado no DR, 2.ª série, n.º 72, que promoveu à categoria de Embaixador o Ministro Plenipotenciário de 1.ª classe B………; b) Despacho conjunto do Primeiro Ministro e do Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros n.º 6603/2010, de 12/3/2010, publicado no DR, 2.ª série, n.º 72, de 14/4/2010, que promoveu à categoria de Embaixador o Ministro Plenipotenciário de 1.ª classe C………; c) Decreto n.º 11/2010, da Presidência do Conselho de Ministros e do Ministério dos Negócios Estrangeiros de 31/5/2010, publicado no DR, 1.ª série, n.º 121, de 24/6/2010, que promoveu à categoria de Embaixador o Ministro Plenipotenciário de 1.ª classe D………; d) Decreto n.º 12/2010, da Presidência do Conselho de Ministros e do Ministério dos Negócios Estrangeiros de 31/5/2010, publicado no DR, 1.ª série, n.º 121, de 24/6/2010, que promoveu à categoria de Embaixador o Ministro Plenipotenciário de 1.ª classe E………. Terminou a sua petição, na qual indicou os embaixadores promovidos como contra-interessados, pedindo a anulação desses quatro actos, por enfermarem de vícios de forma, materiais, orgânicos e padecerem de inconstitucionalidade, com as demais e legais consequências. Os Réus Presidência do Conselho de Ministros e Ministério dos Negócios Estrangeiros contestaram, por excepção e impugnação, tendo ainda alegado que os despachos conjuntos de nomeação dos embaixadores B……… e C……… se deveram a meros lapsos, dado que tais promoções tinham que ser efectuadas por decreto, o que veio a acontecer através dos Decretos n.ºs 3/2011 e 1/2001, publicados no DR, 2.ª série, n.º 19, de 27/1/2011. Na sequência da publicação destes decretos, o Autor requereu a modificação objectiva da instância, passando a indicar como actos impugnados esses decretos em substituição dos despachos enunciados nas alíneas a) e b) do primeiro parágrafo deste relatório. Os contra-interessados não contestaram. Após o Autor se ter pronunciado sobre as excepções suscitadas e sobre a referenciada modificação objectiva da instância, foi elaborado o despacho saneador de fls 468-434, no qual foram julgadas improcedentes todas as excepções suscitadas e ordenado o prosseguimento da acção para conhecimento do seu mérito relativamente à promoção dos contra-interessados determinada pelos Decretos n.ºs 3/2011 (B………), 1/2011 (C………), 11/2010 (D………) e 12/2010 (E………). 1. 2. O Autor apresentou alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões: 1.ª) – Através da presente Acção Administrativa Especial, o Autor impugnou os seguintes actos administrativos: Despacho n.º 6602/2010, o Despacho n.º 6603/2010, Decreto n.º 11/2010 e Decreto n.º 12/2010. 2.ª) – Na sequência da substituição do Despacho n.º 6602 e do Despacho n.º 6603, respectivamente, pelo Decreto n.º 3/2011 e Decreto n.º 1/2011, o Autor requereu a modificação objectiva da instância, tendo a presente acção prosseguido contra os novos Decretos – Decreto n.º 3/2011 e Decreto n.º 1/2011. 3.ª) – Atento o que foi expendido na Petição Inicial e nas Contestações apresentadas pelos Réus – o que aqui se considera integralmente reproduzido para os devidos efeitos – ficou provado que os Actos de promoção que aqui se impugnam padecem de vícios formais e materiais e ainda de inconstitucionalidade, pelo que os mesmos devem ser anulados, com todas as consequências legais daí resultantes. 4.ª) – Conforme reconhecido pelos Réus, ao Actos impugnados não foram fundamentados nos termos exigidos por lei. 5.ª) – Assim, não apresentam aqueles Actos a motivação que justificou a escolha de cada um dos diplomatas promovidos à categoria de Embaixador, escolha esta feita em detrimento da promoção de outros diplomatas que preenchiam (também eles) os requisitos vinculativos exigidos para o efeito (cfr. Art. 20º do Decreto-Lei n.º 40-A/98). 6.ª) – O facto de os Actos terem sido praticados ao abrigo de um poder discricionário (cfr. Artigo 20.°, nº 2 do Decreto-Lei n.º 40-A/98), não exclui o imperativo legal de fundamentação dos mesmos. 7.ª) – Não colheu igualmente o argumento apresentado pelos Réus de que os Actos impugnados se assumem como "actos políticos", praticados no exercício da função política e que, como tal, não só não necessitariam de ser fundamentados, bem como seriam insusceptíveis de controlo pela jurisdição administrativa. 8.ª) – Com efeito, os Actos impugnados não se assumem como "actos políticos", tendo sido praticados pelos Réus no estrito exercício da função administrativa, devendo os mesmos ser fundamentados e sendo os mesmos sindicáveis perante a jurisdição administrativa e, especificamente, perante o Digníssimo Supremo Tribunal Administrativo, conforme já decidido nos presentes autos, no Despacho Saneador proferido. 9.ª) – Assim, cumpre concluir que os Actos administrativos impugnados foram praticados em violação do dever de fundamentação, expressamente consagrado no Artigo 268.°, n.º 3 da CRP e nos Artigos 123.° e 124.°, n.º 1, alínea a), ambos do CPA. 10.ª) – Pelo que devem os Actos administrativos impugnados ser anulados, nos termos gerais (cfr. Artigo 135.° do CPA). 11.ª) – Ademais, o Ministro dos Negócios Estrangeiros, ao promover à categoria de Embaixador os então Ministros Plenipotenciários B………, C………, D……… e E………, não atendeu ao fim expressamente consignado no Artigo 20.º, nº 2 do Decreto-Lei n.º 40-A/98. 12.ª) – Com efeito, aquela norma pretende que sejam promovidos à categoria de Embaixador apenas os diplomatas que, tendo uma longa carreira de empenho e dedicação ao serviço do país, possuam experiência comprovada e as capacidades necessárias ao exercício de funções naquela categoria 13.ª) – Ora, conforme demonstrado pelo Autor, o Ministro não promoveu os diplomatas reveladores de mais experiência e mérito. 14.ª) – Assim, por prosseguirem fins alheios ao objectivo pretendido pelo Artigo 20.°, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 40-A/98, os Actos impugnados assumem-se como decisões arbitrárias e não como decisões discricionárias. 15.ª) – Existindo, assim, uma discrepância entre o fim legal e o fim real do Acto praticado, os Actos impugnados enfermam do vício de desvio de poder, devendo os mesmos ser anulados nos termos gerais (cfr. Artigo 135.° CPA). 16.ª) – Apesar da ampla margem de discricionariedade conferida pela lei, o exercício do poder de promoção à categoria de Embaixador (pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros) encontra-se ainda vinculado aos princípios gerais que delimitam a actuação dos órgãos da Administração. 17.ª) – Assim, ao determinar a promoção daqueles Ministros Plenipotenciários em detrimento de outros diplomatas que cumpriam (também eles) os requisitos vinculativos previstos por lei, o Ministro atentou contra o Princípio da igualdade e o contra o Princípio da imparcialidade, expressamente consagrados no Artigo 266.° da CRP e nos Artigos 5.° e 6.° do CPA. 18.ª) – A violação destes princípios é geradora de anulabilidade nos termos gerais previstos por lei. 1. 3. A Presidência do Conselho de Ministros contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões: A) - Os actos de nomeação a embaixador são o exclusivo produto de uma escolha, fundada no mérito, não existindo nenhum procedimento prévio de natureza concursal; B) - Este tipo de actos não carece de fundamentação, uma vez que se encontra excluído da previsão do artigo 124º do CPA; C) - A falta de demonstração, pelo Autor, do alegado desvio de poder implica a sua improcedência liminar; D) - A invocação do vício de falta de fundamentação concomitantemente com a invocação do vício de desvio de poder inquina de contradição insanável a petição inicial; E) - Finalmente, também não se verifica a violação de lei apontada pelo Autor, por os actos em questão estarem inteiramente de acordo com os princípios da igualdade e imparcialidade. 1. 4. O Ministério dos Negócios Estrangeiros também contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões: A. Os actos de promoção à categoria de Embaixador não padecem de falta de fundamentação, ao contrário do que foi alegado pelo Autor; B. Em primeiro lugar, e como se explicou antes, os actos em causa correspondem a actos de alta administração, e tais actos de alta administração merecem equiparação a acto político e implicam discricionariedade pura, que resulta da circunstância de se tratar da nomeação política numa categoria excepcional; C. Tais actos são em tudo equiparados aos actos de nomeação dos Directores-gerais ou dos chefes de missão, com a diferença, em relação ao MNE, de que os diplomatas estrangeiros acreditados em território português acompanham as nomeações e o percurso dos diplomatas portugueses; D. Pelo que todas estas decisões políticas têm presente esse impacto na imagem da representação externa de Portugal. Mas tal como sucede com a nomeação de um Director-geral ou de um Subdirector-geral, não há um procedimento de escolha: a escolha é livre; E. Aliás, o próprio Autor reconhece que as promoções à categoria de Embaixador têm projecção, repercussão ou motivação política (artigo 21.° das suas alegações), o que bem demonstra a exactidão da argumentação da Entidade Demandada quando afirma que tais são, pelas razões já expostas anteriormente, actos de alta administração equiparados a actos políticos; F. O que motiva, também, que nas promoções a Embaixador não há contra-interessados no procedimento, porque, simplesmente, não há, nos termos do ECD, imposição legal de procedimento; G. Em segundo lugar, cabe ao Ministro dos Negócios Estrangeiros preparar, coordenar e executar a política externa de Portugal (artigo 201º, n.º 2, alínea a) da CRP, conjugado com o artigo 1.º do Decreto-Lei n. ° 204/2006, de 27 de Outubro, que aprovou a Lei Orgânica do MNE); H. Um dos aspectos em que se consubstancia a execução de política externa de Portugal é, precisamente, o que decorre das relações diplomáticas entre Estados soberanos (relações oficiais ou relações de Estado para Estado, in Calvet de Magalhães, Manual Diplomático, Bizâncio, p. 21); I. Assim, as funções diplomáticas cometidas ao cargo de Embaixador implicam o exercício de funções de soberania no estrangeiro, já que o Embaixador de Portugal representa a República Portuguesa (e não apenas o Ministério dos Negócios Estrangeiros) no Estado onde se encontrar localmente acreditado pelas autoridades locais; J. De acordo com o artigo 4.°, n.º1 do Estatuto da Carreira Diplomática, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 40-A/1998, de 27 de Fevereiro, compete aos funcionários diplomáticos a execução da política externa do Estado, a defesa dos seus interesses no plano internacional e a protecção, no estrangeiro, dos direitos dos cidadãos portugueses; K. Em especial, o exercício das funções de Embaixador fundamenta-se na Convenção de Viena Sobre Relações Diplomáticas (a que Portugal aderiu através do DL n.º 48 295, de 27 de Março de 1968), a qual determina que cabe ao Embaixador exercer um conjunto de funções políticas, em particular (artigo 3.°): a) Representar o Estado acreditante perante o Estado acreditador; b) Proteger no Estado acreditador os interesses do Estado acreditante e de seus nacionais, dentro dos limites estabelecidos pelo direito internacional; c) Negociar com o Governo do Estado acreditador; d) Inteirar-se por todos os meios lícitos das condições existentes e da evolução dos acontecimentos no Estado acreditador e informar a esse respeito o Governo do Estado acreditante; e e) Promover relações amistosas e desenvolver as relações económicas, culturais e científicas entre o Estado acreditante e o Estado acreditador; L. Ora, as funções diplomáticas bilaterais e, em particular, o cargo de chefe de missão diplomática, são desempenhadas por diplomatas de carreira com a categoria de ministro plenipotenciário ou de embaixador (artigo 40.° do Estatuto da Carreira Diplomática); M. Aliás, a carreira diplomática constitui uma das poucas carreiras da função pública que mantém um regime especial, próprio, regulado em diploma autónomo: o Estatuto da Carreira Diplomática; N. De facto, as especiais responsabilidades que são chamados a assumir os diplomatas, conjugadas com o exercício de poderes de autoridade intrinsecamente relacionados com o exercício de funções designadas de soberania, determinaram até que a Carreira Diplomática seja uma das poucas em que o legislador mantém o seu regime público de nomeação (Artigo 10.°, alínea b) da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro (Lei que estabelece os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas); O. Consequência da importância da categoria de Embaixador é a forma como se efectua a promoção. Na verdade, nos termos da Constituição, os decretos (de promoção a embaixador) são emanados pelo Governo e assinados pelo Primeiro-Ministro e pelo Ministro competente em razão da matéria (artigo 201.°, n º.3 da CRP) e os decretos, após assinados pelo Governo, são assinados pelo Presidente da República (artigo 134.º, alínea b) da CRP). O que demonstra, desde logo, o acto de alta administração que revestem as promoções; P. Em face do que antecede, verifica-se a desnecessidade de fundamentação, por ser um acto de alta administração; Q. Efectivamente, segundo o artigo 124° do CPA, para além dos casos em que a lei especialmente o exija, devem ser fundamentados os actos que: «a) Neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções; b) Decidam reclamação ou recurso; c) Decidam em contrário de pretensão ou oposição formulada por interessado, ou de parecer, informação ou proposta oficial; d) Decidam de modo diferente da prática habitualmente seguida na resolução de casos semelhantes, ou na interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou preceitos legais; ou e) Impliquem revogação, modificação ou suspensão de acto administrativo anterior.»; R. Relativamente à interpretação da alínea a) do artigo 124.° do CPA, única que podia, em tese, ser susceptível de aplicação no caso dos autos, diz-nos José Carlos Vieira de Andrade (cfr. "O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos", p. 96 e ss) que: «Não significa isto, porém, que se imponha o dever de fundamentação cada vez que a Administração actue em desfavor de algum ou alguns dos administrados. Seria difícil isolar um acto administrativo que, ao menos indirectamente, não fosse contrário aos interesses de alguém. Para que se exija a fundamentação, é necessário que se esteja perante um interesse do particular que tenha uma "tutela" da ordem jurídica.» E ainda «Se o recorrente (...) é apenas o titular de um interesse simples, admitido por ter vantagem nisso, a pedir a anulação de um acto administrativo, já não poderá pretender essa declaração, mas nem por isso se pode lamentar um défice grave na garantia da juricidade ou na protecção dos administrados, porque sempre haverá dados susceptíveis de fundar um controle mínimo por parte dos administrados e dos tribunais, e porque nessas situações estará em causa uma franja de interesses aos quais, em sistemas puramente subjectivistas, nem sequer se permite a iniciativa de um controle jurisdicional.» (cfr. "O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos", pp. 108 e 109); S. Ora, para além de a lei não exigir especialmente que estes actos sejam fundamentados - como expressamente o faz em relação a outros actos de alta administração - não cabe a presente situação em nenhuma das alíneas do nº 1 do artigo 124° do CPA. Já que a promoção à categoria de Embaixador não se realiza através de nenhum procedimento concursal, com ou sem a apresentação de candidaturas, não negando restringindo ou afectando, por isso, direitos ou interesses legalmente protegidos de terceiros; T. Dito de outra forma: se, em tese, o Autor é detentor dos condicionalismos que a lei estabelece para poder ser promovido a Embaixador, tal não implica que tenha direito a ser promovido ou tenha sequer um interesse legalmente protegido, mas, apenas e eventualmente, uma mera expectativa de poder ser escolhido pelo Governo para deter essa categoria; U. Em paralelismo, podemos invocar que podem ser nomeados directores-gerais todos os que preencham os requisitos que a lei impõe mas sendo a nomeação feita por escolha do Governo (pelo Primeiro Ministro e Ministro dos Negócios Estrangeiros), não podem todos os restantes cidadãos que reúnam, em abstracto, as condições legais invocar que lhes foi negado, extinto, restringido ou afectado um direito ou interesses legalmente protegidos; V. Logo, não se verificando nenhuma das situações previstas no artigo 124.° do CPA, resulta evidente de que o vício de falta de fundamentação não pode proceder; W. Acresce que, não estar indicada na publicação do acto de promoção a fundamentação, não quer dizer que não exista razão de Estado que determine a promoção. Aliás, desde sempre que as promoções a embaixador são efectuadas sem se indicar na publicação a respectiva fundamentação e tal nunca foi posto em causa pelos diplomatas, entre os quais o aqui Autor que preenche os requisitos objectivos vinculados para poder ser nomeado há bastantes anos, mas só agora decidiu impugnar os actos em crise através do presente processo; X. Por outro lado, os actos praticados não sofrem de desvio de poder; Y. Assim, de acordo com o Autor, a lei - o artigo 20.° do ECD (e não 22.º como, por lapso, refere) alterado, posteriormente, pelo artigo 24.°, n.º 2 da LOMNE - concede a S. Exas. o Primeiro-Ministro e o Ministro dos Negócios Estrangeiros uma certa margem de discricionariedade que foi utilizada sem atender ao fim pretendido pela referida norma; Z. Ora, o fim da promoção a embaixador está previsto no artigo 20° do ECD, e consiste em promover o ministro plenipotenciário com mérito necessário e adequado ao exercício das funções e responsabilidades inerentes à categoria de embaixador; AA. Ou seja: foi manifestamente pretendido pelo Governo respeitar o fim legal de promover os diplomatas com mérito para poderem exercer os cargos que a lei reserva a diplomatas com categoria de embaixador; BB. Não é um aspecto vinculado ou requisito legal limitador do exercício desse poder de livre escolha (política) a antiguidade dos diplomatas na carreira diplomática em geral ou na categoria que detêm em particular. Assim, a invocação do Autor de que é mais antigo que outros diplomatas não tem qualquer relevância legal, porque não só não é reveladora do mérito, como nem sequer corresponde a um limite legalmente imposto ao exercício do poder de escolha livre dos ministros plenipotenciários susceptíveis de serem promovidos à categoria de embaixador; CC. Ainda nesta sede, indica-se que compete ao Governo (S. Exas. Primeiro-Ministro e Ministro dos Negócios Estrangeiros), ouvido S. Exa. o Secretário-Geral, e não ao Autor, apreciar as qualidades e os serviços prestados, formulando esse juízo discricionário, assente em critérios de oportunidade e conveniência políticas; DD. Por outro lado, sempre se diga que, todos os ministros plenipotenciários têm uma longa carreira e, portanto, grande experiência. E muitos deles exerceram ou exercem o cargo de acreditação internacional de embaixador (cargo que pode ser assumido por diplomatas com as categorias de ministro plenipotenciário ou de embaixador, ou até assumidos por pessoas fora da carreira diplomática, como acontece com o actual embaixador F………); EE. O mesmo é dizer que, deter o cargo de embaixador não implica ser, ou vir a ser, necessariamente, embaixador de carreira. Assim, como decerto não pode o Autor ignorar, há uma diferença entre o cargo de Embaixador e a categoria de Embaixador; FF. Efectivamente, o Autor, como refere na sua Petição Inicial, exerce actualmente as funções de Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário na Embaixada de ………, isto é, o Autor exerce o cargo de Embaixador, que nos termos do ECD (cfr. artigos 40.º e 42.º) pode ser desempenhado por embaixadores de carreira ou ministros plenipotenciários de carreira, bem como por embaixadores fora da carreira; GG. E, por que mais não fosse, também os diplomatas promovidos exerciam à altura da prática dos actos em questão essas mesmas funções: B………, Embaixador de Portugal em ………, C………, Embaixador de Portugal em ……… e D………, Embaixador de Portugal em ………; HH. Aliás, a probabilidade de os ministros plenipotenciários chegarem ao topo de carreira é baixa, dado que a carreira tem vagas estruturadas em pirâmide e, portanto, as vagas da categoria de embaixador são de cerca de 30 enquanto que as de ministro plenipotenciário são cerca de 100. Ou seja, nem todos os diplomatas podem aceder à categoria de embaixador, embora possam exercer o cargo de embaixador se detiverem a categoria de ministro plenipotenciário; II. De tudo o que se expôs, resulta claro que o Autor não alega concretamente e, muito menos, demonstra, que foi prosseguido outro fim com a nomeação; JJ. Com efeito, não alegou nem demonstrou que os diplomatas nomeados não têm mérito para poder exercer os cargos e funções apenas permitidos a diplomata com a categoria de embaixador; KK. Ora, considera o Autor que esse desvio de poder se consubstancia no facto de terem sido escolhidos outros diplomatas que não ele próprio para a promoção à categoria de Embaixador; LL. Todavia, tal consideração é manifestamente insuficiente para provar, como lhe competia, o desvio de poder, isto é, não pretenderam S.Exas. o Primeiro-Ministro e o Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, com as decisões em causa, prosseguir o fim legalmente estabelecido de promover diplomatas com base no mérito necessário ao exercício das funções inerentes à categoria de embaixador; MM. Por outro lado, não se encontra o Autor em posição de efectuar o juízo de quem são os diplomatas reveladores de mais experiência e mérito, pois tal competência é do Governo (S. Exas. o Primeiro-Ministro e o Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros); NN. Por fim note-se que existe uma presunção a favor da Entidade que praticou o acto já que «O órgão administrativo goza da presunção de que exerce o seu poder discricionário tendo em vista o fim legal. Daqui a necessidade que o interessado na anulação do acto tem de alegar expressamente o desvio de poder e de provar os factos de que haja de deduzir-se a procedência da alegação.» (Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, Vol. I, Almedina, Coimbra, 1984, p. 512); OO. E que o Autor não faz qualquer prova de que tenha existido desvio de poder, não indica qual foi, na realidade, o fim prosseguido, nem alega factos ou razões que, na sua opinião, pudessem ter motivado S. Exas. o Primeiro-Ministro e o Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros a praticar os actos em causa nos autos para um fim (público ou privado) diferente do legal. E não faz prova, precisamente, porque não se verificou qualquer desvio de poder; PP. Finalmente, também não houve a violação dos princípios da igualdade e da imparcialidade pois: QQ. o Autor não alega (nem prova) que tem mais mérito para exercer as funções inerentes à categoria de embaixador do que os contra-interessados, porque apenas refere que tem uma carreira mais longa do que os contra-interessados e a antiguidade não se confunde com o mérito; RR. o Autor não articula factos de onde se deduza que está sequer em situação de igualdade com os contra-interessados e nunca diz que estes não têm mérito, apenas que têm carreiras menos longas; SS. O Autor não articula factos (apresenta apenas juízos conclusivos e formulados em abstracto) que demonstrem que existiu um pré-juízo, uma relação familiar, uma relação de amizade ou inimizade que possa ter interferido na formação das decisões de S. Exas o Senhor Primeiro-Ministro e Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros; TT. Ora, nos termos do n.º 1 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 40-A/98, de 27 de Fevereiro (ECD), os lugares das várias categorias da carreira diplomática são providos mediante promoção por mérito dos funcionários diplomáticos e não por antiguidade; UU. Por sua vez, o artigo 20.°, n.º 1 do ECD estabelece a disciplina básica de acesso à categoria de embaixador, prevendo como limites materiais objectivos o preenchimento de quatro anos de serviço na respectiva categoria e um mínimo de oito anos nos serviços externos. O nº 2 do mesmo artigo estipula que as promoções têm por base a apreciação das qualidades do funcionário e dos serviços prestados, ouvido previamente o Secretário-Geral, e só podem ter lugar quando se verifique a existência de vagas na categoria; VV. Retira-se da simples leitura destes artigos e por comparação com os artigos que o precedem, como já se referiu, que: i) As promoções a embaixador não surgem na sequência de qualquer procedimento administrativo concursal, não existindo candidaturas, nem candidatos, já que tais nomeações constituem actos praticados no âmbito da actividade política - e não administrativa - do Governo (S. Exas Primeiro-ministro e Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros); ii) A promoção não é um direito dos diplomatas, correspondendo a uma mera expectativa, com protecção jurídica inferior à dos interesses legalmente protegidos; iii) Ao contrário do que sucede no caso da progressão (artigo 15° ECD), a antiguidade não é relevante para a promoção, sendo esta exclusivamente assente no mérito; WW. Como se pode constatar pela leitura das normas legais aplicáveis, a escolha de S. Exa. o Ministro do Estado e Negócios Estrangeiros não viola nenhuma das disposições, pois os referidos diplomatas cumprem os requisitos objectivos, e o argumento da antiguidade esgrimido pelo Autor não pode proceder, já que é afastado pelo Estatuto da Carreira Diplomática; XX. Aliás, o Autor em parte alguma da sua p.i. invoca a ausência do preenchimento pelos promovidos dos requisitos objectivos, apenas refere que é mais antigo e que tem, por isso (deduz-se) mérito, confundindo antiguidade e mérito. Assim, esta não foi uma escolha arbitrária, mas sim baseada nos requisitos que a lei estabelece e num juízo de apreciação que a lei concede; YY. Existindo cerca de 100 vagas na categoria de ministro plenipotenciário e apenas 30 na embaixador, torna-se fácil perceber que a promoção a embaixador não é garantida, e que não pode, por razões lógicas, ser o culminar da carreira de todos os diplomatas; ZZ. Logo, a aplicação do princípio de igualdade ao caso não pode significar que todos os diplomatas que cheguem à categoria de ministro plenipotenciário deverão ser promovidos à categoria de embaixador; AAA. Já que à luz do artigo 13.º da CRP, a igualdade não impõe um tratamento idêntico para todas as situações, mas deve este princípio ser entendido na dupla vertente de igualdade horizontal e igualdade vertical (tratamento igual para situações iguais e tratamento diferente para situações diferentes), só sendo materialmente ilegal o tratamento diferenciado por motivos não razoáveis ou injustificados, o que não sucede no caso dos autos; BBB. Ou seja, o princípio da igualdade, neste caso, deve reflectir-se na apreciação das qualidades e serviços dos diplomatas e da formulação de um juízo decisório que trate de forma igual as características iguais e de forma diferente as características diferentes; CCC. Não conseguindo o Autor oferecer qualquer prova de que tenha existido um tratamento desigual no juízo de mérito formulado aquando da promoção à categoria de Embaixador Nem de que houve qualquer parcialidade da parte de S. Exas. o Primeiro-Ministro e o Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, pois, como já se demonstrou: i) não se verificou a violação de disposições legais; ii) o factor antiguidade apontado pelo Autor não é um dos requisitos avaliáveis; iii) não apresentou o Autor qualquer motivo legalmente admissível para a sua promoção, em vez dos diplomatas promovidos; e iv) o Autor não ofereceu qualquer evidência de ter beneficiado algum dos diplomatas promovidos, assente em motivo diferente do mérito desse mesmo diplomata; DDD. Daqui se conclui necessariamente que não se verifica a violação de lei apontada pelo Autor, por os actos em questão estarem inteiramente de acordo com os princípios da igualdade e imparcialidade. 1. 5. Os contra-interessados não alegaram. 1. 6. O Ministério Público emitiu o parecer de fls 200 a 206, que se passa a transcrever: “Exmºs. Srs. Juízes Conselheiros 1. A………, com os "sinais dos autos, interpôs a presente acção administrativa especial contra o Presidente do Conselho de Ministros e o Ministério dos Negócios Estrangeiros pedindo a anulação dos actos que nomearam para o cargo de Embaixador quatro ministros Plenipotenciários de 1ª Classe. Alega, em síntese, que tais actos são ilegais por não estarem devidamente fundamentados, não respeitarem a forma legal exigida por lei, por desvio de poder e violação dos princípios constitucionais da igualdade, imparcialidade e transparência, infringindo, assim, os artigos 22, n° 2 do D.L. n° 40-A/98, de 27/02, Estatuto dos Funcionários do Serviço Diplomático; 24°, nº 2 do D.L. nº 204 /06, de 27/11 - Lei Orgânica do Ministério dos Negócios Estrangeiros; 201 °, nº 3 , 266°, n° 2 e 268°, nº 4 da C.R.P. e , ainda, arts. 5° e 6° do CPA . 2. Os réus defendem que, neste caso, não existe o dever legal de fundamentação por se tratar de actos de Alta Administração equiparados a actos políticos que implicam discricionariedade pura e, por isso, não susceptíveis de controlo jurisdicional. 3. Nestes autos, está em causa a avaliação do mérito dos Ministros Plenipotenciários de 1ª classe com base nos respectivos percursos curriculares e processos individuais centrando-se nas qualidades profissionais demonstradas e nas aptidões reveladas para o desempenho da categoria superior da carreira diplomática nos termos do nº 1 da Portaria nº 470-A/98 de 31 de Julho. No recente acórdão n° 0478/10, de 28/9/10, este Tribunal pronunciou-se sobre esta questão nos seguintes termos: "o acto administrativo de homologação da lista de promoções a Ministro Plenipotenciário, com precedência de concurso, aberto ao abrigo do disposto no art. 19° do DL n° 40-A/98, de 27.2, está incluído no universo dos actos sujeitos ao imperativo legal de fundamentação. Tal acto de homologação não está suficientemente fundamentado quando se limita a enunciar os vectores e factores de avaliação ponderados na avaliação curricular, sem menção dos critérios utilizados para o efeito, de modo que os candidatos ficam sem conhecer não só os motivos da respectiva notação, mas também os fundamentos da notação dos outros opositores ao concurso. E no douto Ac. n° 28626, de 9.2.99, pode ler-se também: O acto homologatório de lista de classificação final dos auditores em processo de promoção à categoria de embaixador, com vista ao preenchimento de sete vagas, é um acto administrativo uno e indivisível. A decisão anulatória daquele acto de homologação, com fundamento em vício de forma por falta de fundamentação, tem eficácia relativamente a todos os candidatos. No mesmo sentido se pronunciaram os acs. Nºs. 047665, de 14/01/03 e 01208/04, de 29/09/05. 3.1. Decorre desta jurisprudência que nos encontramos no domínio da discricionariedade técnica a que alude o art. 20°, n° 2 do D.L. n° 40-A/98 de 27 de Fevereiro em que a competência para a promoção de acesso à categoria de Embaixador pertence ao Ministro dos Negócios Estrangeiros, com base na apreciação das qualidades do funcionário e dos serviços prestados, ouvido o Secretário - Geral, e só podem ter lugar quando se verifique a existência de vagas na categoria". E esta discricionariedade técnica não é afastada pela não existência, actualmente, de concurso. Assim, como decidiu o Ac. n° 0478/10, já referido - "a circunstância de o acto ser proferido no âmbito da discricionariedade técnica não afasta a obrigação de o fundamentar, pois, como tem entendido a jurisprudência deste STA, nos actos praticados no âmbito da chamada discricionariedade técnica, em que a Administração goza de uma certa margem de livre apreciação, o objectivo da fundamentação impõe que haja até maior rigor nessa fundamentação, precisamente para permitir aferir, em face dessa liberdade, da legalidade do acto sob o ponto de vista substantivo (ac. de 2004.06.01 (proc. nº 228/04); cfr, também, ac. de 2007.04.12 (proc. nº 941/05, confirmado pelo ac. T Pleno de 2008.09.18). Não sobram dúvidas de que o acto contenciosamente impugnado, por supostamente afectar o direito do impugnante a ascender na sua carreira profissional mediante um procedimento justo, está incluído no âmbito da imposição legal de fundamentação obrigatória, sem que se descortinem quaisquer circunstâncias ou valores que, no caso concreto, levem a pensar na hipótese de um conflito normativo que force uma harmonização excludente da respectiva obrigatoriedade. E a circunstância de o acto traduzir o exercício de uma competência que envolve escolhas com espaços de valorações próprias da Administração, não subtrai esta actividade nem ao princípio da legalidade, nem ao controlo dos tribunais. Por isso, não há razão para excluir este domínio do imperativo de fundamentação. Ao contrário, como refere a Doutrina e a Jurisprudência, a fundamentação é aqui especialmente exigível, porque "liberdade" de valoração não é sinónimo de livre arbítrio e, então, a grande abertura normativa, a falta de regulamentação substancial prévia, tem de ser compensada com uma imposição de transparência capaz de assegurar uma protecção judicial efectiva. Vide, a propósito, Vieira de Andrade, in "O Dever da Fundamentação Expressa de Actos Administrativos ", p. 138 e, por todos, o Acórdão do Pleno STA de 2008.09.18 – recº n° 941/05). 4. Como é sabido a fundamentação só é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma "a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação" - por todos, Ac. do Pleno n° 1126/02, de 6/12/05. Ora, é manifesto que no caso não há qualquer fundamentação. E, no presente caso, a fundamentação é por demais importante pois só através dela se pode saber se todos os Ministros Plenipotenciários de 1.ª Classe detentores de predicados curriculares iguais ou superiores àqueles que foram promovidos foram tratados com imparcialidade e no respeito pelos princípios constitucionais da igualdade e da transparência, É certo, que no caso não estamos em face de um concurso curricular, uma vez que a promoção a Embaixador de Ministros Plenipotenciários foi efectuada por despacho (despachos nºs. 6602/10 e 6603/10 do Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros em conjunto com o Primeiro Ministro). Porém, havendo vários Ministros Plenipotenciários de 1ª Classe que preenchiam os requisitos vinculadores impostos no art. 20° do D.L. nº 40-A/98 os despachos impugnados têm que fundamentar o porquê de serem promovidos uns e não outros à categoria máxima da carreira diplomática, que é a de Embaixador. E não é por se tratar de uma promoção por despacho e não por concurso curricular que o Réu está dispensado de fundamentar a decisão, apesar de se tratar de um poder discricionário. Num Estado de direito democrático tem que haver total transparência de modo que todos os que são atingidos por um acto administrativo possam ficar a conhecer a fundamentação que subjaz ao mesmo. 5. E cremos que não será de acolher o argumento apresentado na contestação do Ministério dos Negócios Estrangeiros de que “os actos de alta administração merecem equiparação a acto político e implicam discricionariedade pura ... escapando, por isso, ao controlo jurisdicional". Como se pode ler no sumário do Ac. deste STA de 6.3.07, rec. n° 01143/06 - "A função política corresponde à prática de actos que exprimem opções fundamentais sobre a definição e prossecução dos interesses ou fins essenciais da colectividade. No entanto, relativamente à generalidade dos actos do Governo, mesmo em relação àqueles a que não caiba a designação de actos políticos, o nº 1 do art. 3° do CPTA revela a existência de uma reserva da administração, uma zona de actividade administrativa não regulada por normas ou princípios jurídicos, que está fora dos poderes da sindicabilidade dos tribunais administrativos. O controle judicial da actuação administrativa nesta margem de reserva da Administração, terá de limitar-se à verificação da ofensa ou não dos princípios jurídicos que a condicionam e será um controle pela negativa, não podendo o tribunal substituir-se à Administração na ponderação das valorações que se integram nessa margem.”. Mas também importa ter em atenção o que, por exemplo, se escreveu no Ac. deste STA de 28.5.97, rec. nº 39169 - "A margem de livre apreciação que é concedida à Administração está condicionada pelos princípios de vinculação ao fim, imparcialidade e proporcionalidade, o que significa que, nestas áreas, a actuação administrativa poderá ser contenciosamente sindicada com fundamento na ofensa destes limites. Também o Tribunal Constitucional já se pronunciou no sentido de que "o legislador constitucional pretendeu assim criar, no quadro da justiça administrativa, um modelo garantístico completo, de forma a facultar ao administrado uma tutela jurisdicional adequada sempre que esteja em causa um interesse ou direito legalmente protegido .... Com efeito, o que decorre do n.º 5 do artigo 268° da Constituição é que qualquer procedimento da Administração que produza uma ofensa de situações juridicamente reconhecidas tem de poder ser sindicado jurisdicionalmente. É nesta total abrangência da tutela jurisdicional que se traduz a plena efectivação das garantias jurisdicionais dos administrados" - Ac. de 16.7.98, rec. nº 435/98, DR, II Série de 10.12.98. E não podemos olvidar que a Administração está subordinada, na globalidade da sua actuação, ao princípio da legalidade (arts. 266.°, n.º 2, da C.R.P. e 3.° do C.P.A.) e, para se poder concluir pela atribuição de um poder discricionário, é necessário que a lei atribua à Administração o poder de escolha entre várias alternativas diferentes de decisão. Assim, não existindo qualquer disposição legal que atribua à Administração um poder discricionário tem de concluir-se que o seu poder é vinculado. No art. 3.° do C.P.A., o princípio da legalidade passou a ter uma formulação positiva, constituindo não só o limite mas também o fundamento e o critério de toda a actuação administrativa, o que tem como corolário que não haja um poder de a Administração fazer o que bem entender, salvo quando a lei lho proibir, mas sim que a Administração só possa fazer aquilo que a lei lhe permitir que faça. Assim, mesmo nos casos em que se conclui pela existência de um poder discricionário, «é necessário que a lei atribua à Administração o poder de escolha entre várias alternativas diferentes de decisão, quer o espaço de escolha esteja apenas entre duas decisões contraditoriamente opostas (v.g., conceder ou não uma autorização), quer entre várias decisões à escolha numa relação disjuntiva (v.g. nomeação de um funcionário para um determinado posto de uma lista nominativa de cinco)». (FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, volume II, página 79.) O princípio da legalidade é definido no referido art. 3.° do C.P.A. nos seguintes termos: Os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes forem conferidos. Neste art. 3.°, o princípio da legalidade deixou de ter «uma formulação unicamente negativa (como no período do Estado Liberal), para passar a ter uma formulação positiva, constituindo o fundamento, o critério e o limite de toda a actuação administrativa».(FREITAS DO AMARAL, JOÃO CAUPERS, JOÃO MARTINS CLARO, JOÃO RAPOSO, PEDRO SIZA VIEIRA e VASCO PEREIRA DA SILVA, em Código do Procedimento Administrativo Anotado, 3ª edição, página 40. Em sentido semelhante, pode ver-se o primeiro Autor em Curso de Direito Administrativo, volume II, página 42.) «A lei não é apenas um limite à actuação da Administração: é também o fundamento da acção administrativa. Quer isto dizer que, hoje em dia, não há um poder livre de a Administração fazer o que bem entender, salvo quando a lei lho proibir; pelo contrário, vigora a regra de que a Administração só pode fazer aquilo que a lei lhe permitir que faça». (FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, volume II, páginas 42-43. Em sentido idêntico, podem ver-se: - MARCELO REBELO DE SOUSA, Lições de Direito Administrativo, 1999, volume I, página 84, que refere: «Com o Estado pós-liberal, em qualquer das suas três modalidades, a legalidade passa de externa a interna. A Constituição e a lei deixam de ser apenas limites à actividade administrativa, para passarem a ser fundamento dessa actividade. Deixa de valer a lógica da liberdade ou da autonomia, da qual gozam os privados, que podem fazer tudo o que a Constituição e a lei não proíbem, para se afirmar a primazia da competência, a Administração Pública só pode fazer o que lhe é permitido pela Constituição e a lei, e nos exactos termos em que elas o permitem.». 6. Como assim, a fundamentação dos despachos impugnados impõe-se e, por isso, somos de parecer que a acção deve ser julgada procedente.” 1. 7. Foram colhidos os vistos legais, pelo que cumpre decidir. 2. FUNDAMENTAÇÃO 2. 1. Os factos: Consideram-se provados, com interesse para a decisão da causa, os seguintes factos: 1. O Autor era, em 30/12/2009, ministro plenipotenciário de 1.ª classe, tendo, nessa data, 16 anos, 8 meses e 16 dias na categoria, e 28 anos, 4 meses e 27 dias de tempo de serviço nos serviços externos do Ministério dos Negócios Estrangeiros; 2. O contra-interessado B……… era, na mesma data, ministro plenipotenciário de 1.ª classe, tinha 13 anos, 8 meses e 13 dias na categoria e 24 anos, 8 meses e 13 dias nos serviços externos do Ministério dos Negócios Estrangeiros; 3. O contra-interessado C……… era também, nessa mesma data, ministro plenipotenciário de 1.ª classe, tinha 12 anos, 10 meses e 12 dias na categoria e 26 anos, 10 meses e 5 dias nos serviços externos do Ministério dos Negócios Estrangeiros; 4. O contra-interessado D……… era também, nessa mesma data, ministro plenipotenciário de 1.ª classe, tinha 7 nos, 9 meses e 13 dias na categoria e 16 anos, 8 meses e 12 dias nos serviços externos do Ministério dos Negócios Estrangeiros; 5. O contra-interessado E……… era também, nessa mesma data, ministro plenipotenciário de 1.ª classe, tinha 7 anos, 9 meses e 13 dias na categoria e 12 anos, 11 meses e 17 dias nos serviços externos do Ministério dos Negócios Estrangeiros; 6. Autor e contra-interessados tinham o tempo de serviço na função pública e nos serviços internos do Ministério dos Negócios Estrangeiros constantes da lista de antiguidade do pessoal diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros de fls 50 a 69 dos autos, que se dá por reproduzida, figurando, na lista de antiguidade dos ministros plenipotenciários referente a 31/12/2009, nas seguintes posições: (i) autor – posição 2; (ii) contra-interessado B……… – posição 14; (iii) contra-interessado C……… – posição 17; (iv) contra-interessado D……… – posição 44; (v) contra-interessado E……… – posição 47. 7. Pelo Decreto do Governo n.º 3/2011, de 27 de Janeiro, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 19, de 27 de Janeiro de 2011, que se dá por reproduzido, o ministro plenipotenciário de 1.ª classe B……… foi promovido a embaixador; 8. Pelo Decreto do Governo n.º 1/2011, de 27 de Janeiro, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 19, de 27 de Janeiro de 2011, igualmente dado por reproduzido, o ministro plenipotenciário de 1.ª classe C……… foi promovido a embaixador; 9. Pelo Decreto n.º 11/2010, da Presidência do Conselho de Ministros e do Ministério dos Negócios Estrangeiros de 31/5/2010, publicado no DR, 1.ª série, n.º 121, de 24/6/2010, também dado como reproduzido, o ministro plenipotenciário de 1.ª classe D……… foi promovido a embaixador; 10. Pelo Decreto n.º 12/2010, da Presidência do Conselho de Ministros e do Ministério dos Negócios Estrangeiros de 31/5/2010, publicado no DR, 2.ª série, n.º 121, de 24/6/2010, também dado como reproduzido, o ministro plenipotenciário de 1.ª classe E……… foi promovido a embaixador. 11. Os decretos de promoção em causa, referenciados nos antecedentes n.ºs 7, 8, 9 e 10, não foram objecto de qualquer procedimento administrativo. 2. 2. O Direito: O Autor pretende a anulação dos actos administrativos que promoveram os contra-interessados, então, como ele, ministros plenipotenciários de 1.ª classe da carreira diplomática, com as consequências legais. Imputa a esses actos os seguintes vícios: (i) vício de forma, decorrente de falta de fundamentação; (ii) vício de desvio de poder; (iii) vícios de violação de lei – errada aplicação da disciplina dos artigos 20.º, n.º 2 do D.L. n.º 40-A/98, de 27/02 – Estatuto dos Funcionários do Serviço Diplomático, 24.º, n.º 2 do D.L. n.º 204/06, de 27/11 - Lei Orgânica do Ministério dos Negócios Estrangeiros, 201.º, n.º 3, 266.º, n.º 2 e 268.º, n.º 4, da C.R.P. e 5.º e 6.º do CPA. O vício de forma imputado, na petição inicial, à inobservância da forma legal do acto de promoção dos contra-interessados B……… e C………, foi abandonado, face à publicação dos decretos n.ºs 3 e 1/2011 e à consequente modificação objectiva da instância (cfr. despacho de fls 468-474). Apreciando. 2. 2. 1. Está em causa, na presente acção, a promoção à categoria de embaixador dos quatro ministros plenipotenciários indicados como contra-interessados, operada pelos referenciados decretos. O decreto n.º 3/2011 estabelece: “O Governo decreta, nos termos da alínea e) do artigo 199.º da Constituição, o seguinte: Considerando o disposto no n.º 2 do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 204/2006, de 27 de Outubro, e no artigo 20.º do Decreto-lei n.º 40-A/98, de 27 de Fevereiro: O ministro plenipotenciário de 1ª classe B………, (… …), é promovido a embaixador, na vaga resultante da passagem à disponibilidade do embaixador […].” Os restantes decretos têm a mesma formulação, com a diferença natural das pessoas em causa. A promoção do pessoal da carreira diplomática é feita de acordo com o estabelecido no estatuto do pessoal dessa carreira, aprovado pelo DL n.º 40-A/98, de 27 de Fevereiro e a Lei Orgânica do Ministério dos Negócios Estrangeiros, aprovada pelo DL n.º 204/2006, de 27 de Outubro. O artigo 20.º do referido estatuto estabelece: “1 - O acesso à categoria de embaixador é aberto a todos os ministros plenipotenciários que tiverem cumprido quatro anos de serviço na respectiva categoria e um mínimo de oito anos nos serviços externos. 2 - As promoções são realizadas pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, com base na apreciação das qualidades do funcionário e dos serviços prestados, ouvido o secretário-geral, e só podem ter lugar quando se verifique a existência de vagas na categoria.” Por sua vez, o artigo 24.º da LOMNE estabelece: “2 – A promoção a embaixador é efectuada por decreto, nos termos da Constituição e da lei”. Para que possa haver promoções a embaixador, é, portanto, necessário que existam vagas. Se elas existirem, podem ser promovidos os ministros plenipotenciários de 1.ª classe com quatro anos ou mais de serviço nessa categoria e que tiverem cumprido um mínimo de oito anos nos serviços externos do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Reunidos estes requisitos, cumulativamente indispensáveis para o efeito, as promoções serão realizadas pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, ouvido o secretário-geral, “com base na apreciação das qualidades do funcionário e dos serviços prestados”. Da matéria de facto dada como provada resulta que tanto os contra-interessados como o autor reuniam os requisitos vinculativamente estabelecidos na lei para as promoções efectuadas, pelo que, tendo elas sido feitas pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros e não estando em causa que tenha ouvido, para o efeito, o secretário-geral do ministério, a legalidade das mesmas, feita por decreto assinado pelo Primeiro-Ministro e pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros (artigos 201.º, n.º 3, da CRP, 20.º, n.º 2, do DL n.º 40-A/98, de 27 de Fevereiro, e 24.º, n.º 2, do DL n.º 204/2006, de 27 de Outubro), depende apenas do que se entender que a lei consagra relativamente à “apreciação das qualidades do funcionário e dos serviços prestados”. Sobre esta questão existem duas posições antagónicas: (i) a do autor, acompanhado pelo Ministério Público, para quem a lei confere ao Ministro dos Negócios Estrangeiros uma ampla margem de livre apreciação e valoração dessas qualidades e serviços, mas balizada pelos limites internamente colocados às actuações discricionárias, nomeadamente os impostos pelos princípios constitucionalmente consagrados da justiça, transparência e imparcialidade e que, por isso, tem de fundamentar a escolha feita; (ii) a dos réus, para quem a lei lhe confere uma discricionariedade pura, uma total e absoluta liberdade de escolha, que, por isso, não precisa de fundamentar. O texto da lei não permite, só por si, resolver a questão, pelo que se impõe convocar os denominados elementos lógicos da interpretação das leis – histórico, racional e teleológico – de modo a, conjugando-os harmonicamente, alcançar o pensamento do legislador. 2. 2. 2. Nessa tarefa, afigura-se relevante fazer uma digressão sobre o regime jurídico do pessoal do serviço diplomático e as alterações que o mesmo foi sofrendo. Vejamos, então. O DL n.º 171/82, de 30 de Dezembro e o DL n.º 44/84, de 3 de Fevereiro, que o veio substituir, consagraram o concurso como o processo normal de recrutamento e selecção de pessoal para os quadros da Administração Pública. Na sequência, o DL n.º 498/88, de 30 de Dezembro, que veio melhorar e aperfeiçoar os modelos estabelecidos, consagrou expressamente que os regimes de recrutamento e selecção de pessoal da carreira diplomática obedeceriam a processo de concurso próprio (art. 3.º, n.º 2). O regime desse concurso foi fixado pelo DL n.º 146/90, de 8 de Maio, que estabeleceu, além do mais, o regime de concurso para as promoções para a categoria de embaixador, determinando que elas seriam feitas pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, com base em listas elaboradas mediante avaliação curricular dos funcionários (art. 1.º, n.º 1). O DL n.º 498/88 foi revogado pelo DL n.º 204/98, de 11 de Julho, que manteve «os regimes de recrutamento e selecção de pessoal aplicáveis aos corpos especiais e às carreiras de regime especial que deles disponham» (art. 3.º, n.º 3, deste último diploma). O DL n.º 79/92, de 6 de Maio, que aprovou o (primeiro) Estatuto da Carreira Diplomática, instituiu as seguintes categorias (artigo 3.º): a) Embaixador; b) Ministro plenipotenciário; c) Conselheiro de embaixada; d) Secretário de embaixada; e) Adido de embaixada». E estabeleceu que «os lugares nas várias categorias da carreira diplomática são providos mediante promoção por mérito dos funcionários diplomáticos da categoria anterior» (artigo 15.º). Neste diploma fazia-se referência ao concurso como meio de ingresso, através da categoria de adido de embaixada, e de acesso à categoria de conselheiro de embaixada (arts. 9.º e 16.º). No que concerne ao acesso às categorias de ministro plenipotenciário e de embaixador, não se fazia referência expressa à existência de concurso, mas previam-se procedimentos administrativos com regras especiais (artigos 17.º e 18.º). O DL n.º 40-A/98, de 27 de Fevereiro, que aprovou o estatuto da carreira diplomática vigente, mantém as mesmas categorias e o mesmo critério de promoção (o mérito – artigo 17.º) e mantém também o concurso como meio de ingresso na categoria de adido de embaixada (art. 10.º) e de promoção à categoria de conselheiro de embaixada (art. 18.º). Relativamente às promoções à categoria de ministro plenipotenciário, o art. 19.º deste último diploma estabelece um procedimento com regras especiais, a saber: “1 - O acesso à categoria de ministro plenipotenciário é aberto a todos os conselheiros de embaixada que tiverem cumprido três anos de serviço efectivo naquela categoria e exercido funções nos serviços externos por período não inferior a seis anos. 2 - As promoções a ministro plenipotenciário efectuam-se anualmente, no decurso do 1.º semestre, para preenchimento das vagas abertas durante o ano anterior, e abrangerão apenas os conselheiros de embaixada que em 31 de Dezembro daquele ano satisfaziam as condições exigíveis para aquele efeito. 3 - A lista de promoções a ministro plenipotenciário é estabelecida pelo conselho diplomático. 4 - O mérito de todos os conselheiros de embaixada em condições de promoção será apreciado pelo conselho diplomático, com base na análise dos respectivos processos individuais e percursos curriculares, devendo a proposta de promoção ser objecto de fundamentação. 5 - As promoções a ministro plenipotenciário são da competência do Ministro dos Negócios Estrangeiros. 6 - Os critérios de avaliação do mérito dos conselheiros de embaixada a que o conselho diplomático deve atender na elaboração da lista anual de promoções à categoria de ministro plenipotenciário serão fixados por portaria do Ministério dos Negócios Estrangeiros.” Os critérios do mérito dos conselheiros de embaixada foram fixados pela Portaria n.º 470-A/98, de 31 de Julho, devendo determinar uma grelha de avaliação que deveria ser do conhecimento dos candidatos à promoção a ministro plenipotenciário antes da realização das pertinentes reuniões do Conselho Diplomático (artigo 5.º) Relativamente às promoções à categoria de embaixador, refere apenas que «o acesso à categoria de embaixador é aberto a todos os ministros plenipotenciários que tiverem cumprido quatro anos de serviço na respectiva categoria e um mínimo de oito anos nos serviços externos» e que «as promoções são realizadas pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, com base na apreciação das qualidades do funcionário e dos serviços prestados, ouvido o secretário-geral, e só podem ter lugar quando se verifique a existência de vagas na categoria» (art. 20.º, n.ºs 1 e 2). Por sua vez, as Leis Orgânicas do Ministério dos Negócios Estrangeiros , aprovadas pelos DL n.ºs 48/94, de 24 de Fevereiro, e 204/2006, de 27 de Outubro, estabeleceram que “A promoção a embaixador é efectuada por decreto, nos termos da Constituição e da lei” (artigos 19.º, n.º 1 e 24.º, n.º 2, respectivamente). Apreciando, temos que o quadro normativo para acesso à categoria de embaixador, estabelecido no Estatuto da Carreira Diplomática vigente, em que manifestamente se dispensa a fixação prévia dos critérios de avaliação a ponderar na apreciação das qualidades dos funcionários e dos serviços prestados, inculca que, como defendem os réus, o Ministério dos Negócios Estrangeiros dispõe de total liberdade de escolha, de entre os ministros plenipotenciários de 1.ª classe com o tempo de serviço estabelecido. Na verdade, para além da ausência de fixação prévia dos critérios de avaliação, a promoção é efectuada através de decreto, ou seja, através de uma forma solene de expressão de certos actos políticos ou actos administrativos do Governo, associada a actos de poder, a actos de autoridade, que não é objecto de qualquer procedimento administrativo, designadamente de audiência prévia dos interessados nem carece de fundamentação. O que contrasta nitidamente com a promoção a ministro plenipotenciário, categoria imediatamente anterior, que é efectuada por despacho, que culmina um procedimento administrativo de avaliação, no qual há uma grelha de avaliação que tem de ser previamente definida com base nos critérios legalmente especificados e no qual há uma proposta de classificação que tem de ser objecto de fundamentação, conforme estabelece expressamente o n.º 5 do artigo 19.º. Ora, toda esta evolução, em que os embaixadores eram promovidos por concurso e passaram a sê-lo por decreto, na sequência de uma apreciação das suas qualidades sem qualquer fixação prévia dos critérios de avaliação, conjugada com a promoção à categoria imediatamente anterior, feita nos moldes enunciados, nos leva a concluir que o estatuto vigente concedeu ao MNE, no momento da apreciação do mérito, uma discricionariedade pura, permitindo-lhe uma livre escolha, de entre os ministros plenipotenciários com os requisitos para serem promovidos, sem necessidade de fundamentar essa escolha. Discricionariedade essa que tem a sua razão na específica natureza da actividade dos embaixadores, a mais alta categoria da carreira e aos quais compete chefiar as missões diplomáticas consideradas mais importantes (artigo 40.º, n.º 1, do Estatuto), executando a política externa do Estado, a defesa dos seus interesses no plano internacional e a protecção, no estrangeiro, dos direitos dos cidadãos portugueses (artigo 4.º do Estatuto). Esta solução harmoniza-se perfeitamente com o estabelecido no artigo 40.º do Estatuto, que permite ao Conselho de Ministros, a título excepcional, confiar a chefia de uma missão diplomática a individualidades não pertencentes ao quadro diplomático cujas qualificações as recomendem de forma especial para o exercício de funções em determinado posto, salvaguardando o princípio da unidade do sistema jurídico. Na verdade, não se compreenderia bem que o Governo pudesse nomear para chefiar missões diplomáticas individualidades que não pertencessem ao quadro do pessoal diplomático, em função da sua livre apreciação das suas especiais qualificações para o exercício das funções e já não pudesse apreciar, com a mesma liberdade, as qualificações dos funcionários que, ao mais alto nível, desempenham, normalmente, essas funções. Neste sentido aponta ainda a recente Lei Orgânica do Ministério dos Negócios Estrangeiros, aprovada pelo DL n.º 121/2011, de 29 de Dezembro, cujo artigo 21.º estatui, no seu n.º 2, que “A promoção à categoria de embaixador é efectuada, por decreto do Governo, no exercício da função política nos termos da Constituição e da lei.” Esta lei acrescentou, relativamente à anterior, que a promoção à categoria de embaixador era feita no exercício da função política, o que não pode deixar de ser entendido como tendo sido intenção do legislador deixar claro que, nesta matéria, existe uma total liberdade de decisão do MNE relativamente ao mérito das qualidades dos ministros plenipotenciários e dos serviços por eles prestados, liberdade essa que, conforme expendemos, já era de considerar anteriormente. Em face de todo o exposto, temos que a promoção a embaixador obedece à verificação dos requisitos vinculativamente estabelecidos na lei e, numa segunda fase, à livre escolha do MNE, com base no mérito das qualidades dos ministros plenipotenciários em condições de serem promovidos e dos serviços por eles prestados. Como já referimos, quer o autor quer todos os contra-interessados satisfaziam esses requisitos, pelo que ao MNE cabia estabelecer, por decreto, qual deles, ou outros ministros plenipotenciários que também satisfizessem esses requisitos, seriam promovidos, sem qualquer obrigatoriedade de fundamentar por que razões eram esses os promovidos. Na verdade, da lei não resulta o reconhecimento aos ministros plenipotenciários que satisfaçam os requisitos legalmente estabelecidos de qualquer direito à promoção a embaixador ou mesmo de qualquer interesse legalmente protegido, mas apenas a mera expectativa de o serem [cfr. artigo 268.º, n.º 3, da CRP e artigo 124.º, n.º 1, alínea a) do CPA]. Está-se perante um direito subjectivo dos particulares perante a Administração quando estes têm interesses próprios protegidos directamente pela lei como interesses individuais, atribuindo-lhes o poder de exigirem da Administração o comportamento necessário para a satisfação desses interesses (cfr. Freitas do Amaral, Direito Administrativo, Vol. II, pág. 89). Há um interesse legalmente protegido quando a lei não protege directamente um interesse particular, mas um interesse público que, se for correctamente prosseguido, implicará a satisfação simultânea do interesse individual; neste caso, o particular não pode exigir da Administração a satisfação do seu interesse, apenas podendo exigir-lhe que não o prejudique ilegalmente. Por isso, para ser possível esta exigência, é necessário que exista uma norma que estabeleça a forma de a Administração realizar o interesse público na situação conexa com o interesse particular, com a consequente proibição de esta actuar de forma ilegal. Está-se, aqui, perante um direito à legalidade das decisões da Administração que possam afectar um interesse próprio (neste sentido, Autor e obra citados, pág. 90 e 98).. Ora, no caso em apreço e como resulta do expendido, a promoção a embaixador depende da apreciação do mérito dos ministros plenipotenciários, do que o MNE entender sobre quais são os ministros que melhor podem desempenhar as funções de embaixador (artigo 20.º, n.º 2, do Estatuto), pelo que é este desempenho e não quaisquer interesses dos ministros que está no âmbito da protecção da norma. E, sendo essa apreciação livre, não pode ser questionada a escolha feita, pelo que inexistem quaisquer direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos potenciais embaixadores. Nesta conformidade, impõe-se concluir que não se verificam os arguidos vícios de violação de lei nem o vício de forma, decorrente de falta de fundamentação. Com efeito e em conclusão, o artigo 20.º, n.º 2, do Estatuto, ao permitir a livre escolha, mediante uma apreciação totalmente discricionária do mérito dos promovíveis, afasta a sindicância do apuramento desse mérito, em relação ao qual se poderá dizer, tendo em conta a argumentação do autor, que, limitando-se este a invocar, no fundo, a sua maior antiguidade, dela partindo para considerar que a sua carreira, experiência e mérito foram tratadas de forma diferente em relação aos contra-interessados promovidos e concluir que a sua preterição em benefício dos promovidos foi discriminatória e violadora dos princípios da proporcionalidade e da transparência, a antiguidade não está erigida em critério para a escolha e dela não se pode retirar a ilação de maior mérito. E, por outro lado, a promoção dos contra-interessados, feita pelos decretos impugnados, não integra o universo dos actos administrativos sujeitos a fundamentação. 2. 2. 3. O autor invoca ainda o vício de desvio de poder. Considera, para o efeito, que o artigo 20.º, n.º 2, do DL 40-A/98 confere ao MNE um poder discricionário, visando com ele que sejam promovidos os ministros plenipotenciários que revelem maior experiência e mérito e que, no caso, tal não aconteceu por, no essencial, os promovidos desempenharem funções há menos anos que ele. Mas não se verifica esse vício. Na verdade, de acordo com doutrina e jurisprudência uniformes, o vício de desvio de poder ocorre quando o motivo principalmente determinante de um acto, praticado no exercício de um poder discricionário, não coincide com o fim visado pela lei na concessão do poder discricionário. O Estatuto da carreira diplomática confere ao MNE, como foi referido, uma discricionariedade pura, ou seja, o poder de, dentro do grupo dos promovíveis, promover livremente aqueles que entender que, em face das suas qualidades e dos serviços prestados, melhor poderão exercer as altas funções diplomáticas de embaixador. E nada resulta dos autos que não tenha sido esse fim – qualidades para melhor desempenho – o fim visado pelo MNE e pelos actos impugnados. Na verdade, o autor nem sequer alegou que na base da promoção tenham estado razões estranhas a esse fim, mas apenas que, pelo facto de desempenhar funções com mérito, há mais anos que os promovidos, aos quais também não atribuiu falta de mérito, devia ter sido ele o promovido. O que, manifestamente e por isso sem necessidade de mais considerações, afasta a verificação do vício de desvio de poder. 3. DECISÃO Em face de todo o exposto, julga-se a acção totalmente improcedente, absolvendo-se os réus do pedido. Custas pelo autor. Lisboa, 23 de Fevereiro de 2012. – António Bernardino Peixoto Madureira (relator) – António Políbio Ferreira Henriques – Américo Joaquim Pires Esteves. |
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