Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 021/10 |
Data do Acordão: | 25-11-2010 |
Tribunal: | CONFLITOS |
Relator: | ADÉRITO SANTOS |
Descritores: | CONFLITO DE JURISDIÇÃO CONTRATO ADMINISTRATIVO COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS RELAÇÃO JURÍDICO-ADMINISTRATIVA |
Sumário: | I - A competência material do tribunal afere-se pela relação jurídica controvertida, tal como é configurada na petição inicial. II - Nos termos do artigo 1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, os tribunais administrativos são os competentes para o julgamento das acções que tenham por objecto dirimir litígios emergentes de ralações jurídicas administrativas. III - Por relações jurídicas administrativas devem entender-se aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de interesse público legalmente definido. IV - Assim, compete à jurisdição administrativa conhecer de uma acção especial para cumprimento de obrigações emergentes de contrato, na qual a autora, concessionária da exploração e manutenção de parques de estacionamento em espaços públicos, em conformidade com determinado regulamento municipal, pede a condenação da ré no pagamento de quantias, devidas pela utilização desses parques. |
Nº Convencional: | JSTA00066720 |
Nº do Documento: | SAC20101125021 |
Data de Entrada: | 14-09-2010 |
Recorrente: | B... NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO ENTRE O 3º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE PONTA DELGADA E OS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS |
Recorrido 1: | * |
Votação: | UNANIMIDADE |
Meio Processual: | REC PRE CONFLITO. |
Objecto: | NEGATIVO JURISDIÇÃO AC RL DE 2010/05/25. |
Decisão: | NEGA PROVIMENTO. DECL COMPETENTE TAC. |
Área Temática 1: | DIR ADM CONT - REC JURISDICIONAL / CONFLITO JURISDIÇÃO. |
Área Temática 2: | DIR JUDIC - ORG COMP TRIB. |
Legislação Nacional: | CONST76 ART211 N1 ART212 N3. ETAF02 ART1 N1. CPC96 ART66 ART116 N3. DL 23185 DE 1933/10/30 ART21. DL 19243 DE 1931/01/16 ART96. |
Jurisprudência Nacional: | AC TCF PROC5/10 DE 2010/06/09. |
Referência a Doutrina: | JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 2006 VI PAG220-221. GOMES CANOTILHO E OUTRO CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA ANOTADA 3ED PAG812. VIEIRA DE ANDRADE A JUSTIÇA ADMINISTRATIVA LIÇÕES 8ED PAG57-58. |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam, no Tribunal dos Conflitos: 1. B…, SA, com sede na Rua …, em Ribeira Brava, intentou, no Tribunal Judicial de Ponta Delgada, acção especial para cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato, contra C…, Lda., com sede na Rua …, nº …, em Ponta Delgada, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 421,72, acrescida de juros legais vencidos e vincendos, até integral pagamento. Alegou, em síntese, que: - a Autora (A.) é uma sociedade e dedica-se à exploração, gestão e manutenção de parques de estacionamento automóvel na cidade de Ponta Delgada, conforme contratos de concessão, celebrados com o respectivo Município, ao abrigo do Regulamento das Zonas de Estacionamento de Duração Limitada de Ponta Delgada, aprovado em 27.4.04, pela Assembleia Municipal de Ponta Delgada; - nos termos desses contratos de concessão, a A. colocou, nos vários locais de estacionamento, máquinas de pagamento com a indicação dos preços e condições de utilização dos mesmos; - assim, um condutor de veículo automóvel, que o estacione num desses locais de estacionamento explorados pela A., fica vinculado ao pagamento de um montante, variável em função do tempo de utilização desse mesmo local de estacionamento; - a Ré (R.), no período compreendido entre 1.1.05 e 13.5.08, fez estacionar, por diversas vezes, o veículo automóvel de matrícula …, de que é proprietária, em diferentes parques de estacionamento que a A. explora na cidade de Ponta Delgada, mas não pagou por tal estacionamento, conforme as regras de utilização desses parques, apesar de bem as conhecer; - em tais circunstâncias, a A. tem o direito a cobrar uma verba que, durante o ano de 2005 e até Setembro de 2006, era no valor de € 5,40 e que, a partir de 1 de Outubro de 2006, passou a ser no valor de € 6,60, conforme as referidas regras de utilização dos indicados parques de estacionamento; - pelo que a A., através dos seus agentes de fiscalização, colocou no vidro dianteiro do indicado veiculo automóvel da R «um aviso para pagamento da correspondente sanção pela utilização indevida de um estacionamento sujeito a concessão a favor da A.». - conforme o art. 19 do referido Regulamento das Zonas de Estacionamento de Duração Limitada de Ponta Delgada, a violação das respectivas disposições, além de constituir ilícito de mera ordenação social, constitui o infractor em responsabilidade civil derivada do não pagamento do estacionamento concessionária; - ao estacionar o seu veículo naqueles lugares de estacionamento, a R. concordou com todas as cláusulas e condições que lhe foram impostas; - porém, a R. sempre recusou liquidar o referido montante pecuniário em dívida. Por sentença, de 26.1.10, proferida no 3º Juízo do Tribunal Judicial de Ponta Delgada, na qual se considerou que, sendo gerado pela cobrança, pela A., de uma taxa sancionatória máxima diária pelo estacionamento não pago, o litígio em causa deve ser dirimido pelo tribunal administrativo, foi esse tribunal declarado materialmente incompetente, para conhecer da acção e, por consequência, absolvida a R. da instância. Inconformada, a A. interpôs recurso para a Relação de Lisboa, onde, por acórdão de 25.5.10, foi confirmada aquela decisão do Tribunal Judicial de Ponta Delgada. Desse acórdão, a A. interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo apresentado alegação com as as seguintes conclusões: I. O Douto Acórdão recorrido entendeu negar provimento ao recurso com fundamento na procedência da excepção da incompetência absoluta do Tribunal judicial. II. No âmbito da sua actividade, a RECORRENTE celebrou vários Contratos de Concessão com a Câmara Municipal de Ponta Delgada, para fornecimento, instalação e exploração de parquímetros colectivos, em zonas de estacionamento de duração limitada, pelo que, mediante tais contratos, a RECORRENTE passou a deter a exploração, gestão e manutenção dos estacionamentos da dita cidade. III. O RECORRIDO é proprietário de um veículo automóvel com a matrícula … e desde 01.01.2005, que o RECORRIDO vem estacionando o seu referido veículo automóvel, nos vários parques de estacionamento que a RECORRENTE explora na cidade de Ponta Delgada, sem se dignar proceder ao pagamento do tempo de utilização, conforme regras devidamente publicitadas no local. IV. Sucede porém que, o Tribunal “a quo” considerou que, a RECORRENTE, na relação jurídica que estabelece com o RECORRIDO, surge investida de prorrogativas próprias de um sujeito de público, revestido de jus imperii, podendo cobrar-lhe uma taxa pelo estacionamento nas zonas concessionadas e aplicar-lhe as sanções especificamente previstas no Regulamento das Zonas de Estacionamento de Duração Limitada e que consistem na aplicação de coimas. V. Assim, no entender do Tribunal “a quo”, o Tribunal Administrativo e Fiscal, é o Tribunal competente para julgar os presentes Autos, uma vez que, nos termos do disposto no art. 4º, nº 1, f) do ETAF, em virtude de o contrato de locação de estabelecimento celebrado entre o RECORRIDO e a RECORRENTE, é um contrato de direito público, e não de direito privado, em que a concessionária surge na relação como particular investida de prerrogativas próprias de um sujeito de direito público – Câmara Municipal – revestido de “ius imperium”. VI. Sucede porém que, mal andou o Tribunal “a quo” ao julgar procedente a referida excepção. VII. Com efeito, a Câmara Municipal de Ponta Delgada celebrou com a RECORRENTE um contrato de fornecimento, instalação e exploração de parquímetro na Cidade de Ponta Delgada, nos termos do qual a RECORRENTE, fica responsável pela conservação e manutenção dos parquímetros de forma a garantir as condições de operacionalidade de acordo com as especificações técnicas e características indicadas na proposta, e deve igualmente respeitar as taxas que o município vier a fixar. VIII. Todavia, o contrato celebrado entre a RECORRENTE e o RECORRIDO, não se confunde com os contratos de natureza pública, celebrados entre uma entidade privada, e uma entidade pública, munida de “ius imperii”, uma vez que, a RECORRENTE não se encontra munida de “ius imperii”. IX. Com efeito, a RECORRENTE ao actuar perante terceiros, neste caso o RECORRIDO, não se encontra munida de poderes de uma entidade e sim com poderes de uma entidade privada, pelo que, e contrariamente ao entendimento do Tribunal “a quo”, o contrato estabelecido entre RECORRENTE e RECORRIDO, relativo a utilização dos parqueamentos explorados pela RECORRENTE, é de direito privado, cuja violação é susceptível de fazer o utilizador incorrer em responsabilidade contratual por incumprimento do contrato. X. Aliás, a doutrina qualifica este tipo de contrato, como uma relação contratual de facto, em virtude de não nascer de negócio jurídico, assente em puras actuações de facto, em que se verifica uma subordinação de situação criada pelo seu comportamento ao regime jurídico das relações contratuais, com a eventual necessidade de algumas adaptações. XI. Ora, o estacionamento remunerado, apresenta-se como uma afloração clara da relevância das relações contratuais de facto e a relação entre o concessionário e o utente resulta de um comportamento típico de confiança, pelo que não envolve nenhuma declaração de vontade expressa, e sim uma proposta tácita temporária de um espaço de estacionamento mediante retribuição. XII. Assim, estabelecendo a RECORRENTE e o RECORRIDO uma relação contratual de facto, o Tribunal competente é o Tribunal Judicial e não o Tribunal Administrativo e Fiscal. XIII. A relação contratual de facto estabelecida entre a RECORRENTE e o RECORRIDO não possui natureza pública, até porque, sendo a RECORRENTE uma entidade privada, apesar de ter sido autorizada a fim de proceder a exploração de parques de estacionamento na cidade de Ponta Delgada, não actua perante terceiros, com “ius imperii”. XIV. De facto, não estando em causa a natureza pública do contrato celebrado entre a Câmara Municipal de Ponta Delgada e a RECORRENTE, não pode, no entanto, este primeiro contrato ser equiparado aos posteriores contratos tacitamente celebrados entre a RECORRENTE e os utentes, pois tais contratos têm natureza privada, não só pela forma como os seus intervenientes actuam, como também pelas normas que regulam as relações jurídicas em causa. XV. Tal como estabelece Pedro Gonçalves, no Manual “A Concessão de Serviços Públicos”, o instrumento que dá vida a relação é um contrato de direito privado, pelo que, em si mesma, a relação de prestação que se estabelece entre o concessionário e os utentes é uma relação contratual de direito privado. XVI. Tanto assim é, que a natureza jurídica da quantia paga pelos utentes em contrapartida da prestação do serviço público é a de um preço e não de um encargo ou contrapartida com natureza fiscal ou tributária. XVII. Mais uma vez, vem Pedro Gonçalves sustentar que, sendo de direito privado as relações de prestação constituídas entre o concessionário e o utente, não faz sentido, sustentar a natureza fiscal da contrapartida, que é justamente um dos elementos essenciais da relação contratual. XVIII. Assim, sendo a RECORRENTE uma sociedade anónima, dotada de um estatuto de direito privado, que reclama o pagamento do tempo de utilização pelo estacionamento de veículos nos parques de estacionamento explorados, o acto que emerge da invocada responsabilidade não é praticado por um órgão, funcionário, agente ou servidor público. XIX. A RECORRENTE, ao intentar acções contra o proprietário do veículo automóvel, que não procedeu ao pagamento dos montantes devidos, estas não se inserem nas prorrogativas de uma autoridade pública, e sim no âmbito da gestão que lhe compete fazer enquanto entidade privada. XX. Com efeito, e contrariamente ao entendimento do Tribunal "a quo", a RECORRENTE jamais é uma funcionária ou agente de um órgão de poder político, ou seja, da Câmara Municipal de Ponta Delgada. XXI. Acresce ainda que, a relação controvertida estabelecida entre RECORRENTE e RECORRIDO não configura uma relação jurídica regulada pelo direito administrativo ou fiscal. XXII. Aliás, tal como já foi referido anteriormente, a relação estabelecida entre a RECORRENTE e o RECORRIDO configura uma relação contratual de facto, em virtude de não nascer de negócio jurídico, assente em puras actuações de facto, em que se verifica uma subordinação de situação criada pelo seu comportamento ao regime jurídico das relações contratuais, com a eventual necessidade de algumas adaptações. XXIII. Perante o exposto, mal andou o Tribunal “a quo” ao declarar-se incompetente em razão da matéria, pois nos termos do disposto nos arts. 8° e 7° do DL 269/98, de 01.09, com referência ao art. 1° do Diploma preambular, na redacção dada pelo DL 303/2007, de 24.08, o Tribunal recorrido é o competente. XXIV. Assim, o Tribunal “a quo”, aplicou erradamente o disposto no art. 4°, nº 1, alínea f) do ETAF. TERMOS EM QUE, DEVERÁ SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, E REVOGADO O ACÓRDÃO RECORRIDO E CONSEQUENTEMENTE SER O TRIBUNAL JUDICIAL DECLARADO COMPETENTE, CONFORME É DO DIREITO E DA JUSTIÇA! A recorrida não apresentou alegação. Por despacho da Exma. Relatora, na Relação de Lisboa, foi o recurso admitido para este Tribunal dos Conflitos, em conformidade com o disposto no art. 107, nº 2, do CPCivil. A Exma. Magistrada do Ministério Público emitiu o seguinte PARECER Em nosso entender o presente recurso para este Tribunal dos Conflitos não merece provimento. Conforme ensina o Prof. Manuel de Andrade, a competência do tribunal "afere-se pelo quid disputatum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum" (in Noções Elementares de Processo Civil, 1979, p. 91). Por sua vez, o Tribunal dos Conflitos e a Secção de Contencioso Administrativo do STA têm reiteradamente afirmado que a competência em razão da matéria se afere em função dos termos em que a acção é proposta - cfr, a título de exemplo, os acórdãos do T. Conflitos de 91.01.31 (AD 361) e de 2007.05.17 (proc. n° 5107), e, os acórdãos do STA de 93.05.13 (proc. n° 31478), de 96.05.28 (proc. nº 39911), de 99.03.03 (proc. n° 40222), de 99.03.23 (proc. n° 43973), de 99.10.13 (proc. n° 44068) e de 2000.09.26 (proc. n° 46024). Neste caso, atentos os termos em que a acção é instaurada, julgamos ser de concluir que a competência para dela conhecer pertence aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, concretamente aos tribunais tributários. A Autora, B…, SA, na qualidade de concessionária, por força de vários contratos de concessão celebrados com a Câmara Municipal de Ponta Delgada para fornecimento, instalação e exploração de parquímetros colectivos, em zonas de estacionamento de duração limitada, na cidade de Ponta Delgada, pretende, através da acção, que a Ré, C… Lda, seja condenada a: - Pagar-lhe a importância de 421,72 euros, acrescida de juros legais, correspondente aos montantes devidos pelo estacionamento de uma viatura da Ré em zona reservada para esse efeito, abrangida pela concessão. Funda este pedido no facto de a Ré não ter procedido, em várias datas, que indica, ao pagamento do tempo de utilização do lugar de estacionamento. Atentos os termos da própria petição e os documentos juntos com a mesma, estamos perante a utilização, assegurada pela Câmara, de um bem do domínio público (os lugares de estacionamento), mediante o pagamento de certa prestação. A prestação patrimonial correspondente ao uso de um bem como este constitui uma taxa, em conformidade com o disposto nos art°s 30, nº 2 e 4°, n° 2, da Lei Geral Tributária aprovada pelo DL n° 398/98, de 17.12. Essa taxa encontra-se prevista na alínea g) do art° 19º da Lei n° 42/98, de 06.08 (Lei da Finanças Locais), e, no que toca a situação concreta em análise, este expressamente contemplada nos artºs 24° e 25° do Regulamento das Zonas de Estacionamento de Duração Limitada de Ponta Delgada, publicado no DR II série, de 2004.06.01, n° 128, apêndice 71/2004 (cfr. fls. 34 a 39 dos autos). Neste caso, não lhe e retirada essa natureza pelo facto de ser uma entidade privada - a Autora - que procede a respectiva cobrança. Tal cobrança só ocorre por força da referida concessão de fornecimento, instalação e exploração de vários parquímetros na cidade de Ponta Delgada, sendo que a Câmara não deixa de recolher a receita nos seus cofres, ainda que parte (cfr. fls. 25 e 26 dos autos). A questão que aqui este em causa tem, assim, natureza fiscal, na medida em que, segundo uma tese ampliativa, a mais seguida na jurisprudência (em oposição a uma tese restritiva), para decidir o litigio há que fazer a interpretação e aplicação de normas de direito fiscal sobre matéria respeitante ao exercício da função tributária da Administração Pública Cfr., a este propósito, Cons. Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 2006, I volume, p. 220 e 221, onde são citados vários arestos da Secção de CA deste STA nesse sentido. E há, então, que acrescentar que, subjacente ao litígio, há uma relação jurídica tributária, entre a Câmara e a Ré (muito embora aquela não intervenha na acção), atenta a definição contida no art° 1°, n° 2, da Lei Geral Tributária, nos termos da qual consideram-se relações juridico-tributárias as estabelecidas entre a administração tributária, agindo como tal, e as pessoas singulares e colectivas e outras entidades legalmente equiparadas a estas. Os Tribunais competentes para conhecer da acção, são, assim, em nosso entender, os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, concretamente, os tribunais tributários, face ao disposto no art° 1°, n° 1, do ETAF. Nestes termos, com fundamento em razões diversas daquelas em que assentou o acórdão da Relação e considerando-se competentes para apreciar a acção as tribunais tributários, emitimos parecer no sentido do improvimento do presente recurso. Cumpre decidir. 2. A competência dos tribunais comuns tem natureza residual, no sentido em que, nos termos constitucionais e legais Cfr. Artigo 211º («1. Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais»), da Constituição da República Portuguesa, e art. 66 ( «São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outras ordem jurisdicional»), do Código de Processo Civil. Em termos idênticos a este último preceito dispõe o art. 18, nº 1, da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais., se estende a todas as áreas que não sejam atribuídas a outras ordens judiciais (G. Canotilho/V. Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed. rev., 812). Aos tribunais administrativos, por sua vez, cabe, segundo o preceito constitucional e legal, apreciar os processos «que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes de relações jurídicas administrativas» Cfr. Artigo 212º («… 3. Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais»), da Constituição da República Portuguesa; e artigo 1º ( «1. Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais»), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.. E, na falta de clarificação legislativa sobre o conceito de relação jurídica administrativa, deverá esta ser entendida no sentido tradicional de relação jurídica de direito administrativo, com exclusão, nomeadamente, das relações de direito privado em que intervém a Administração. Assim, temos que os tribunais administrativos serão competentes para dirimir os litígios surgidos no âmbito das relações jurídicas públicas, devendo como tal considerar-se «aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido» [J.C.Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 8ª ed., 57/58]. E importa notar, ainda, que, para efeito da determinação da competência material do tribunal, deve atender-se à relação jurídica, tal como é configurada pelo Autor, na petição inicial, ou seja, no confronto entre a pretensão deduzida (pedido), independentemente do seu mérito, e os respectivos fundamentos (causa de pedir) Neste sentido, veja-se, p. ex. o acórdão deste Tribunal dos Conflitos, de 9.6.10 (Pº 05/10), e a demais jurisprudência e a doutrina, nele citadas.. No caso sujeito, alegou a A., ora recorrente, que celebrou com o Município de Ponta Delgada contratos de concessão, para exploração, gestão e manutenção de parques de estacionamento naquela cidade, nos termos previstos no Regulamento das Zonas de Estacionamento de Duração Limitada de Ponta Delgada (art. 9 Artigo 9º (Concessão): Nos termos da lei geral pode o município decidir concessionar o estacionamento de duração limitada a empresa pública ou privada, bem como pode ainda concessionar a fiscalização do cumprimento do estatuído no presente Regulamento.), aprovado pela Assembleia Municipal de Ponta Delgada, em sessão ordinária, de 27 de Abril de 2004. Por força desses contratos de concessão, a ora recorrente ficou obrigada, perante o concedente, a assegurar o funcionamento dos referidos parques de estacionamento em conformidade com o referido Regulamento, cabendo-lhe, em consequência, exigir o pagamento das “taxas”, nele previstas Artigo 24º (Montante das taxas e incidência): 1 – A utilização das zonas de estacionamento de duração limitada dá lugar ao pagamento de uma taxa. 2 – As taxas a pagar pela emissão do cartão de morador, bem como do de estacionamento, constarão da planta anexa a este Regulamento, a qual ficará a fazer parte integrante da tabela de taxas do município que poderão variar em função da zona ou local, tempo de permanência nessa zona ou local e, ainda, tipo de utilizador., pela utilização das zonas de estacionamento, e fiscalizar essa utilização pelos interessados, como naquele igualmente se prevê Artigo 22º (Agentes de fiscalização): 1 – A fiscalização do cumprimento do presente Regulamento e das disposições do Código da Estrada e legislação complementar, cabe à Câmara Municipal, através de pessoal designado para o efeito, à Policia Municipal ou à PSP, ou à entidade a quem a Câmara Municipal expressamente tenha conferido essa competência, cabendo á Câmara Municipal articular a sua actuação. 2 – Caso a Câmara Municipal não institua um corpo de vigilantes para proceder à fiscalização a que se refere o número anterior, nos termos do Decreto-Lei nº 327/98, a empresa concessionária da exploração das zonas de estacionamento, poderá criar um corpo de vigilantes que desempenharão as seguintes funções: a) Fiscalizar o cumprimento do Regulamento, ao Código da Estrada e legislação complementar; b) Denunciar às autoridades policiais, nos termos do nº 5 do artigo 151º do Código da Estrada, as infracções registadas nos termos da alínea II; c) Notificar os infractores do teor da infracção verificada, advertindo da apresentação da respectiva denúncia junto das autoridades competentes caso não seja efectuado o pagamento da tarifa em dívida. 3 – A Câmara Municipal colaborará, na articulação das funções dos vigilantes com as autoridades policiais competentes com vista à adopção de procedimentos que facilitem o processamento das denúncias efectuadas nos termos do número anterior.. Aliás, foi no exercício dessa fiscalização, através «de um dos seus agentes e fiscais», que a A. recorrente detectou a invocada situação de incumprimento da ora recorrida e a intimou ao «pagamento da correspondente sanção pela utilização indevida de um estacionamento sujeito a concessão a favor da A.», ou seja, o pagamento do valor da tarifa de estacionamento correspondente ao máximo diário, conforme também estabelece o citado Regulamento [art. 23 Cfr. Artigo 23º (Competências): Compete ao pessoal da fiscalização, dentro das zonas de estacionamento de duração limitada, designadamente: a) Esclarecer os utentes sobre as normas estabelecidas no presente Regulamento, bem como sobre o funcionamento dos equipamentos; b) Promover o correcto estacionamento; c) Zelar pelo cumprimento dos regulamentos específicos em vigor em cada zona; d) Participar aos agentes da autoridade competente as situações de incumprimento; e) Solicitar ao infractor o pagamento do valor da tarifa de estacionamento em dívida correspondente ao máximo diário, estabelecido de acordo com as taxas da planta anexa, respectivo a cada zona; f) Desencadear o procedimento necessário ao eventual bloqueamento e remoção do veículo em transgressão nos termos do artigo 170º do Código da Estrada., al. e)]. Por outro lado, importa também notar que, tal como refere o preâmbulo do mesmo Regulamento de Parques de Estacionamento, o estabelecimento das normas dele constantes decorre da consideração de que «a escassez e a dificuldade de estacionamento é um dos problemas com que se depara a cidade de Ponta Delgada», tornando necessária a adopção de «medidas que se mostrem úteis a facultar o maior número possível de disponibilidade para o estacionamento em Ponta Delgada». Para o feito – refere, ainda, a mesma nota preambular – contribuirá o presente Regulamento das zonas de estacionamento tarifado que se espera venha também a contribuir para uma maior fluidez de circulação rodoviária no perímetro urbano da cidade. … Finalmente, julgou-se útil prever a hipótese de concessão conferindo assim ao presente Regulamento uma maior capacidade de adaptação às diversas realidades que emolduram este sector». Assim, é de concluir que, por via dos referidos contratos de concessão, a A. recorrente foi investida de um poder público, para a realização de um interesse público, legalmente definido como sendo o de solucionar a apontada dificuldade de estacionamento e assegurar a fluidez da circulação rodoviária no perímetro urbano da cidade de Ponta Delgada. Daí que seja de concluir, também, que o conflito que opõe essa mesma recorrente à recorrida e a que respeitam os presentes autos, surgiu no âmbito de uma relação jurídica administrativa, segundo o conceito dela acima indicado, cabendo a respectiva apreciação e decisão aos tribunais administrativos, conforme o citado art. 1, do ETAF. Neste sentido, e perante situação idêntica à dos presentes autos, já decidiu, embora com fundamentos não coincidentes com os agora expostos, o recente acórdão deste Tribunal dos Conflitos, de 9.6.10, proferido no processo nº 05/10. 3. Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam em negar provimento ao recurso, declarando competentes, para conhecer da acção proposta pela recorrente, os tribunais administrativos. Sem custas (arts 116/3, do CPCivil, 21 D.L. 23185, de 30.10.33, e 96, do D. L. 19 243, de 16.1.31). Lisboa, 25 de Novembro de 2010. – Adérito da Conceição Salvador dos Santos (relator) – Manuel Joaquim de Oliveira Pinto Hespanhol – Alberto Acácio de Sá Costa Reis – José Rodrigues dos Santos – Raul Eduardo do Vale Raposo Borges – Luís Pais Borges. |
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