Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0956/10 |
Data do Acordão: | 29-03-2011 |
Tribunal: | 2 SUBSECÇÃO DO CA |
Relator: | PIRES ESTEVES |
Descritores: | FUNÇÃO POLÍTICA FUNÇÃO ADMINISTRATIVA ACTO POLÍTICO ACTO ADMINISTRATIVO CONTRATO PROGRAMA |
Sumário: | I - A função política traduz-se numa actividade de ordem superior, que tem por conteúdo a direcção suprema e geral do Estado, tendo por objectivos a definição dos fins últimos da comunidade e a coordenação das outras funções à luz desses fins. II - A função administrativa é o conjunto dos actos de execução de actos legislativos, traduzida na produção de bens e na prestação de serviços destinados a satisfazer necessidades colectivas que, por virtude de prévia opção legislativa, se tenha entendido que incumbem ao poder político do Estado-colectividade. III - Os actos políticos são os actos dos órgãos superiores do Estado, próprios da função política ou de Governo, relativos à definição dos interesses ou fins primaciais do Estado. IV - A decisão de celebração ou não celebração de um contrato-programa entre o Estado e um estabelecimento de ensino tem natureza de acto administrativo. |
Nº Convencional: | JSTA00066895 |
Nº do Documento: | SA1201103290956 |
Data de Entrada: | 29-11-2010 |
Recorrente: | ESTADO PORTUGUÊS |
Recorrido 1: | A... |
Votação: | UNANIMIDADE |
Meio Processual: | REC JURISDICIONAL. |
Objecto: | DESP TAF PORTO. |
Decisão: | NEGA PROVIMENTO. |
Área Temática 1: | DIR ADM CONT - RESPONSABILIDADE EXTRA. |
Área Temática 2: | DIR JUDIC - ORG COMP TRIB. |
Legislação Nacional: | L 46/86 DE 1986/10/14 ART58. L 113/97 DE 1997/09/16 ART34 N1 N2. DL 102/98 DE 1998/04/21 ART1 N2. |
Jurisprudência Nacional: | AC STA PROC28775 DE 2002/05/09.; AC STA PROC29424 DE 1993/10/28.; AC STA PROC33975 DE 1994/06/09.; AC STA PROC46240 DE 2000/11/15.; AC STA PROC43438 DE 1998/03/05.; AC STA PROC48179 DE 2002/04/16.; AC STA PROC45990 DE 2001/02/06.; AC STA PROC713/10 DE 2010/10/21.; AC STA PROC44/06 DE 2008/05/08. |
Referência a Doutrina: | SERVULO CORREIA NOÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO VI PAG30. MARCELLO CAETANO MANUAL DE DIREITO ADMINISTRATIVO 10ED VI PAG8. MARCELO REBELO DE SOUSA LIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO VI 1991 PAG10 PAG11 PAG12. AFONSO QUEIRÓ A FUNÇÃO ADMINISTRATIVA IN RDES ANOXXIV PAG1. FREITAS DO AMARAL CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO 3ED VI PAG44. |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: A… CRL, com sede na freguesia de Arcozelo, concelho de Vila Nova de Gaia interpôs acção de responsabilidade civil extra contratual contra o Estado Português, ao abrigo do disposto nos arts. 71º nº2 e 72º da LPTA, pedindo que este seja condenado a pagar-lhe a quantia de 1.836.000.000$00. Contestou o réu Estado, defendendo-se por excepção e por impugnação. Na sua defesa por excepção sustenta que “conforme resulta do estatuído no artº4º nº1 al. a) do ETAF ficam fora do domínio próprio da justiça administrativa as questões relativas à validade de actos praticados no exercício da função política bem como a responsabilidade pelos danos decorrentes desse exercício. A decisão de celebrar de um Contrato Programa é um acto político da competência do ministro, ou do Secretário de Estado (com delegação de competências) e como tal discricionário, já que não existe a obrigação de contratar por parte do Estado. O Estado, decide, perante determinado circunstancialismo fáctico, qual modo adequado para obviar a determinada carência pública, no caso concreto da insuficiência da rede pública do ensino. Tal insuficiência tanto pode ser suprida pela extensão da rede pública de ensino, como através de outro tipo de subvenções atribuídas por acto administrativo, quer a um estabelecimento de ensino, quer a cada um dos estudantes em concreto. Daqui resulta que em primeira linha é ao Estado que cabe decidir, no uso da sua função política, exercida através do membro competente do Governo, qual a política a prosseguir. Os actos políticos estão fora da actividade administrativa do Estado, razão pela qual não se norteiam pelos princípios gerais que regulam a actividade administrativa do estado, embora devam obediência aos princípios constitucionais. Ora, assim sendo não cabe aos tribunais administrativos aferir da sua legalidade e como tal apreciar a responsabilidade civil decorrente dos mesmos, mas aos tribunais com competência cível, devendo o réu ser absolvido da instância, nos termos do estatuído nos preceitos combinados dos arts. 4º nº1 Al. a) do ETAF e 493º nºs.1 e 2 e 494 Al. a), ambos do Código de Processo Civil”. No despacho saneador o Mmo. Juiz “a quo” decidiu que “no que respeita à questão da incompetência material deste Tribunal: «O R. Estado argumenta que este Tribunal é incompetente em razão da matéria para conhecer do presente litígio, uma vez que estaria em causa acto da função política, o qual, nos termos do artigo 4º nº1 al. a) do ETAF (1984), estaria excluído da jurisdição administrativa. Vejamos. Na presente acção é pedida a condenação do Estado português no montante de 1.836.000.000$00, bem como a reparação integral dos danos ainda não liquidados (quer presentes, quer futuros) que se vierem a apurar em liquidação de sentença, a título de indemnização de prejuízos sofridos alegadamente como causa do indeferimento do pedido de celebração de contrato-programa com a sociedade aqui A. O A. pede a condenação do R. por alegada responsabilidade civil extracontratual, adveniente, segundo afirma, da na não celebração de contrato-programa de financiamento das propinas pagas pelos alunos que frequentam o pólo de Viseu do A., de forma similar à que foi obtida pela Universidade Católica, para os alunos que frequentam o seu pólo universitário de Viseu, através da celebração de contrato-programa com o Ministério da Educação. Recorde-se que está em causa a celebração de contrato-programa com o A. idêntico ao celebrado com a Universidade Católica, por meio do qual o Estado assume a responsabilidade pelos «financiamentos compensatórios necessários a suportar os encargos financeiros decorrentes da Universidade Católica Portuguesa propiciar a frequência em Viseu de cursos de ensino universitário de formação inicial, em condições de encargos financeiros para os alunos similares às do ensino superior público, nomeadamente, a nível da propina, por exacta igualização à propina do ensino superior público. Dispõe o artigo 58º/1, da Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei nº46/86, de 14 de Outubro), que: «O Estado fiscaliza e apoia pedagógica e tecnicamente o ensino particular e cooperativo». E o nº2 - «O Estado apoia financeiramente as iniciativas e os estabelecimentos de ensino particular e cooperativo quando, no desempenho efectivo de uma função de interesse público, se integrem no plano de desenvolvimento da educação, fiscalizando a aplicação das verbas concedidas». Nos termos do artigo 34º da Lei nº113/97, de 16 de Setembro (Define as bases do financiamento do ensino superior público), com epígrafe: «Ensino Superior particular e cooperativo”, «1.. Poderá o Estado, para efeitos de alargamento da rede pública de ensino, celebrar, em termos a regular, contratos-programa com os estabelecimentos de ensino cooperativo, particular e de direito concordatário que ministrem cursos considerados de relevância social em áreas entendidas como prioritárias». «2- O Governo regulará, por decreto-lei, no prazo de 90 dias, a extensão gradual aos estudantes do ensino particular e cooperativo do disposto na presente lei em matéria de acção social escolar e empréstimos». Através do Decreto-Lei nº102/98, de 21 de Abril, o Governo procedeu à regulamentação dos referidos contratos programa. No artigo 1º/2, determinou-se que tais contratos «são instrumentos de carácter plurianual através dos quais o Estado coloca à disposição de instituições de ensino superior meios de financiamento público destinados à prossecução de objectivos concretos que não possam ser satisfeitos no quadro do regime normal de financiamento das despesas de funcionamento das mesmas instituições». Do exposto resulta que vem esgrimida pretensão indemnizatória por efectivação de alegada responsabilidade civil extracontratual emergente de imputada omissão ilícita de celebração de contrato com o A. atributivo de financiamento. Ao invés do que é invocado pelo R., trata-se de pretensão ressarcitória que se inscreve no exercício da função administrativa de gestão da atribuição dos subsídios no domínio da acção social escolar no âmbito do ensino superior não público, pelo que a mesma não respeita à função política ou à função político-legistativa, incidindo ao invés no quadro das relações jurídico-administrativas, nas quais são convocadas, do lado do A. e seus alunos, em face do Estado, os direitos fundamentais conferidos pelo artigo 43º da CRP. Termos em que se julga improcedente a excepção da incompetência absoluta deste Tribunal para dirimir o litígio em exame». Não se conformando com a decisão que julgou improcedente a excepção suscitada da incompetência material do tribunal para conhecer do litígio, interpôs o réu Estado o presente recurso jurisdicional, formulando nas suas alegações as seguintes conclusões: 1ª-Cabe ao Estado decidir se a rede pública de ensino superior é ou não deficiente, tendo em atenção a satisfação de necessidades de quadros qualificados e a elevação do nível educativo, cultural e científico do País, nos termos do estatuído no artº76º nº1 da CRP. 2ª-Constatando tal carência, cabe ao Estado determinar o modo de a colmatar: a)-quanto ao meio a utilizar – contratos programa ou atribuição directa de subsídios aos alunos; b) – quanto ao momento – tendo em conta a disponibilidade financeira do estado, o Programa de Governo e a inscrição de verbas no Orçamento Geral do Estado; 3ª-Não existe qualquer obrigação de contratar; 4ª-Tais decisões enquadram-se na função política do Estado. 5ª-E, como tal são insindicáveis, quanto à sua legalidade pelo Tribunal administrativo e consequentemente quanto à responsabilidade civil daí decorrente. 6ª-O Tribunal Administrativo ao declarar competente em razão da matéria o Tribunal “a quo”, violou o disposto no artº4º nº1 al. a) do ETAF; 7ª-Sendo certo, que a referida decisão não se encontra suficientemente fundamentada, sendo conclusiva, pelo que padece de nulidade; 8ª-Mas, caso assim se não entenda faz incorrecta interpretação do texto legal, supra referido. Vêm os autos à conferência sem os vistos dos Exmos. Adjuntos. O Tribunal “a quo” deu como assentes os seguintes factos: A. Em 18.02.1982, foi constituído o A…, CRL - doc. de fls. 13/20, cujo teor se dá por reproduzido. B. O objecto social da cooperativa é o seguinte: «desenvolver estruturas educativas, sociais, assistenciais, de investigação, culturais e laborais, bem como todas as demais - nomeadamente, colóquios, seminários, edições, divulgação e comercialização de livros e publicações de sua especialidade - que se afigurem como apoio económico e logístico ao desenvolvimento da instituição, dos seus beneficiários e comunidades de que faz parte, a fim de participar de forma activa no desenvolvimento humano, integral e ecológico, dos diferentes grupos etários e sociais, em cada sociedade, e das diferentes etnias, comunidades e povos» - artigo 3.° dos Estatutos, de fls. 21/36, cujo teor se dá por reproduzido. C. Em 01.10.1999, o Estado Português celebrou com a Universidade Católica contrato-programa, cujo objecto consistia em «estabelecer o regime de disponibilização, pelo [Estado à Universidade Católica] de financiamentos compensatórios para suportar os encargos financeiros decorrentes da Universidade Católica Portuguesa propiciar a frequência em Viseu de cursos de ensino universitário de formação inicial, em condições de encargos financeiros para os alunos similares às do ensino superior público, nomeadamente a nível de propina, por exacta igualização à propina do ensino superior público» - doc. de fls. 37/41, cujo teor se dá por reproduzido. D. O contrato referido na alínea anterior foi celebrado, em 01.10.1999, entre o Ministro da Educação e o Reitor da Universidade Católica - doc. de fls. 266/271. E. Nos termos do ponto 1 do contrato, assentou-se que: «o presente contrato tem por objecto estabelecer o regime de disponibilização pelo 1º outorgante [Estado] ao 2.° outorgante [Universidade Católica Portuguesa - Centro Regional das Beiras - UC] de financiamentos compensatórios para suportar os encargos financeiros decorrentes da Universidade Católica Portuguesa propiciar a frequência em Viseu de cursos ensino universitário de formação inicial, em condições de encargos financeiros para os alunos similares às do ensino superior público, nomeadamente a nível de propina, por exacta igualização à propina do ensino superior público» - Ibidem. F. Consignou-se que: «Consideram-se actualmente mais relevantes para o desenvolvimento económico e social do distrito, os seguintes cursos de licenciatura: - Gestão do desenvolvimento social; - Informática de gestão; - Matemática; Informática, devendo ser mantidas durante a vigência do contrato-programa o total de 125 vagas de ingresso já oferecidas em 1999/2000». G. Assentou-se que: «O número de alunos inscritos em cursos de licenciatura da Faculdade de Letras deverá diminuir progressivamente, na vigência do contrato-programa, não ultrapassando os ingressos, em cada ano lectivo, o valor de 150». H. Na Cláusula II, estipulou-se que: «O financiamento compensatório por aluno será em 1999/2000 de 338,7, contos (diferença entre uma propina anual de 400 contos e a propina anual do ensino superior público de 61,3 contos). Nos anos lectivos seguintes a propina anual de 400 contos será actualizada com a inflação verificada no ano económico anterior e será considerada a propina anual do ensino superior público em vigor naquele ano lectivo». I. Convencionou-se que: «No primeiro ano de vigência do contrato será disponibilizado o montante correspondente à multiplicação de 58,7 contos (diferença entre 120 contos e a propina do ensino superior público de 61,3 contos) pelo máximo de alunos definido na cláusula III para o ano lectivo de 1999/2000». J. Assentou-se que: «No segundo ano de vigência do contrato será disponibilizado o montante correspondente à multiplicação de 280 contos pelo menor dos seguintes valores - número de alunos inscritos no ano lectivo de 1999/2000 ou número máximo de alunos definido. Será também disponibilizado o montante correspondente ao número máximo de alunos no 1º trimestre de 2000/2001, seguindo a metodologia utilizada no 1º. trimestre de 1999/2000, com as actualizações anteriormente determinadas. Nos anos lectivos seguintes aplicar-se-á a mesma metodologia». K. Na cláusula III assentou-se que, durante o período compreendido entre 1 de Outubro de 1999 e 31 de Julho de 2003, o Estado compromete-se a disponibilizar à U.C. um financiamento compensatório, com base no número máximo de alunos a considerar no seu cálculo, estimado num total de 1.816,839 contos, distribuídos anualmente nos termos que constam da referida cláusula. L. Em 02.05.2000, o A. dirigiu ao Director-Geral do Ensino Superior requerimento por meio do qual solicitou que «seja celebrado um contrato com o Ministério da Educação, pelo qual se permita que os estudantes que frequentam o nosso Complexo de Ensino Superior em Viseu, possam desfrutar de benefícios equiparáveis aos concedidos aos estudantes da Universidade Católica na mesma cidade» - doc. de fls. 42. M. Em 03.07.2000, a Direcção-Geral do Ensino Superior dirigiu ao Presidente do A. o ofício nº 6036, do qual consta (doc. de fls. 43/44): “Sobre o requerimento enviado por V. Exa. Transmite-se o conteúdo da Inf. Nº30/LC/2000: «O A… apresentou um requerimento ao Sr. Director Geral do Ensino Superior, no qual se pretende que ‘…seja celebrado um Contrato com o Ministério da Educação, pelo qual se permita que os estudantes que frequentam o nosso Complexo de Ensino Superior em Viseu, possam desfrutar de benefícios equiparáveis aos estudantes da Universidade Católica na mesma cidade’. Interessa referir que a Lei nº113/97, de 16 de Setembro, Lei da Bases do Funcionamento do Ensino Superior, prevê no ponto 1, seu artigo 34º que ´Poderá o Estado, para efeitos de alargamento da rede pública de ensino, celebrar, em termos regular contratos-programa com estabelecimentos de ensino cooperativo, particular e de direito concordatário que ministrem cursos considerados de relevância social em áreas entendidas como prioritárias’. Assim, a celebração de contratos-programas com este tipo de instituições deverá nortear-se pela relevância social e tendo em vista áreas consideradas prioritárias, de modo a alargar a rede pública já instalada. Ora, em 1998/1999, o A… tinha inscritos na cidade de Viseu na Escola Superior de Educação os alunos dos cursos de bacharelato de Nutrição Humana Social e Escolar (67), de licenciatura de Professores do ensino básico (788) e na Escola Superior de Enfermagem os alunos do curso de bacharelato de Enfermagem (194). Como se vê a grande maioria dos alunos do A… não provêm de áreas que possamos considerar como prioritárias, já que a área de formação de professores da rede de ensino público tem capacidade para formar o pessoal qualificado necessário às necessidades do sistema educativo. Resta a área da enfermagem, que essa sim poderá ser equacionada com uma área em que o número de diplomados se revela escasso para as necessidades do país. Contudo, na cidade de Viseu já existe uma escola pública, podendo-se desta forma reforçar a sua capacidade. De facto em Viseu, existem o Instituto Politécnico de Viseu com a Escola Superior de Educação, na qual se ministram cursos de índole análoga ao A… (bacharelato da comunicação social=130; bacharelato de professores do 1º ciclo=23; licenciatura de professores de 1º ciclo e do ensino básico=843) e bem assim a Escola Superior de Enfermagem de Viseu (187 alunos em 98/99), o que nos leva a concluir que se trata de cursos cuja relevância social para a região já está devidamente acautelada. No que toca ao contrato-programa assinado com a Universidade Católica em Viseu, o qual é mencionado no já citado requerimento, pode-se constatar que a sua assinatura dependeu de se ter considerado “…actualmente mais relevantes para o desenvolvimento económico-social do distrito, os seguintes cursos de licenciatura: Gestão do desenvolvimento social, Informática de Gestão, Matemática, Informática”.Trata-se, pois, de cursos de índole universitária que não existiam na região na rede pública da região de Viseu. Assim podemos concluir que de acordo com o enquadramento legal em vigor, caberá ao A… propor de forma devidamente justificada e comprovada a “relevância social” e a situação de prioridade dos cursos que ministra em Viseu, o que de modo algum surge no requerimento entregue em 26 de Abril, não havendo assim matéria para se poder desencadear um processo de discussão e preparação de futura assinatura de contrato programa”. N – Em 3/8/2000, o A. Dirigiu ao Director-Geral do Ensino Superior carta resposta ao ofício referido na alínea anterior, através da qual reiterou o pedido de celebração do contrato-programa, juntou anexos comprovativos das asserções apresentadas e da qual consta, designadamente, que (doc. de fls. 45/102, cujo teor se dá por reproduzido): “ - que os cursos que ministra no seu complexo de Viseu têm relevância social, que se inserem em áreas prioritárias, para a região em causa; - que o seu número de alunos nos vários cursos do Complexo de Viseu têm aumentado até ao ano lectivo de 1999/2000, integrando as suas Escola Superior de Educação, a Escola Superior de Enfermagem e o B…-, quer no âmbito do ensino Politécnico, quer no Universitário que o investimento em instalações e equipamento foi da ordem dos três milhões de contos; - que os cursos ministrados foram aprovados e homologados pelo Ministério da Educação; - que o financiamento efectuado à Universidade Católica em Viseu implica um tratamento discriminatório relativamente aos alunos que frequentam os cursos do A…; - que a autora em Viseu foi a instituição de ensino superior que mais investimentos efectuou, que mais cresceu, que mais diversidade de cursos criou, todos socialmente relevantes e integráveis em áreas prioritárias para os estudantes e região, e que mais postos de trabalho criou em menos tempo”. O – No documento referido constam anexos que pretendem demonstrar a população residente abrangida pela área do complexo de Viseu da A., da respectiva população jovem por concelho, da centralidade de Viseu na região, dos alunos matriculados pelos diferentes anos escolares em 1999/2000, dos estabelecimentos de segundo grau de ensino e alunos matriculados relativamente a 1995/96, dos alunos inscritos em 1999/2000 e da sua distribuição. P – No documento referido consta, designadamente, que: “Este nosso Instituto B…] criado pelo DL. nº 211/96, de 18/11, e estranhamente omitido no ofício resposta de V. Exa. tem aprovados e homologados os seguintes cursos: - Engenharia Civil e Ordenamento do Território (Portaria nº 774/97, de 28/8; - Economia e Gestão (Portaria nº 779/97, de 28/8), - Ciências Químicas e do Ambiente (Portaria nº 779/97, de 28/8); - Design Artesanal e Industrial (Portaria nº 775/97, de 28/8); - Engenharia Alimentar (Portaria nº 789/97, de 29/8); - Engenharia Electromecânica (Portaria nº 777/97, de 29/8); - Engenharia de Manutenção e Gestão Empresarial (Portaria nº 790/97, de 27/8); - Motricidade humana (Portaria nº 618/98, de 28/8); - Psicologia (Portaria nº647/98, de 28/8). Q. Em 5/7/2001, a A. Dirigiu requerimento ao Ministro da educação, retirando o pedido de celebração do contrato-programa, formulado em 2/5/2000, sobre o qual não logrou obter pronúncia por parte da entidade destinatária do mesmo, solicitando que o diferencial entre o valor das propinas cobradas pelo A… e o valor da propina dos estabelecimentos públicos seja pago directamente aos alunos, no que respeita, entre outros, aos seguintes cursos de licenciatura do distrito de Viseu: Matemática e Ciências da Natureza (ensino básico, 2º ciclo), Economia e Gestão, Psicologia, Engenharia de Manutenção e Gestão Empresarial, Engenharia Electromecânica, Engenharia Civil e Ordenamento do Território, Engenharia Alimentar, Design Artesanal e Industrial, Ciências Químicas e do Ambiente; Motricidade Humana, Enfermagem, Radiologia, Farmácia, Anatomia Patológica, Citológica e Tanatológica; Análises Clínicas e Saúde Pública, Fisioterapia, Nutrição Humana, Social e Escolar – doc. de fls. 202/207; R – No requerimento referido na alínea anterior, o A. invoca que: a) O contrato-programa celebrado entre o estado e a Universidade Católica de Viseu apenas foi facultado ao A… na sequência de intimação judicial para consulta de documentos; b) Caso não venha a celebrar-se contrato com igual teor com o A…, verifica-se uma ilegalidade; c) Pois considera-se que os estabelecimentos de ensino particular e cooperativo, em virtude da sua natureza não religiosa, menos dignos de protecção constitucional; d) Não respeita que a Universidade Católica e o A… reconduzem-se à categoria genérica de estabelecimentos de ensino superior particular; e) A não observância de um concurso público possibilitador de uma avaliação comparativa imparcial dos candidatos ao regime contratual de administração de subvenções tem como consequência a invalidade do protocolo em causa; f) Tal tratamento diferenciado envolve uma distorção da concorrência, colidindo com a iniciativa económica não público no ensino superior; g) Não permite que, na atribuição de subvenções, existam critérios de diferenciação que sejam adequados e proporcionais às diferenças fácticas existentes e limita liberdade de escolha dos alunos quanto ao estabelecimento de ensino e ao inerente projecto educativo; S. No requerimento, o A. solicita que seja celebrado contrato análogo, referente não só aos cursos similares ou equivalentes inclusos no contrato-programa, mas também cursos não equivalentes, mas integráveis nos motivos invocados e dentro do espírito do quadro invocativo, assim como cursos das Escolas do A… situadas em regiões periféricas com necessidades de apoio, tendo em conta as carências económicas e sociais da regiões em que estão inseridas; T. O R. iniciou, em Dezembro de 1998, o processo de criação de uma unidade orgânica da Universidade de Aveiro em Viseu, encontrando-se pendente para publicação, em Dezembro de 2002, o diploma legal tendente à criação do «Instituto Universitário de Viseu» - doc. de fls. 240/256; U. No lectivo de 1996/1997, foram autorizados pelo R., no quadro do B…, os cursos de licenciatura seguintes: a) Engenharia Civil e Ordenamento do Território; b) Design Artesanal e Industrial; c) Economia e Gestão; d) Engenharia Electrónica; e) Ciências Químicas e do Ambiente; f) Engenharia Alimentar; g) Engenharia de Manutenção e Gestão Empresarial – doc. de fls. 257/261. Apurados estes factos, vejamos se procedem as conclusões das alegações do recorrente Estado. A resolução do presente recurso está em incluir, ou não, o comportamento do Estado no exercício da sua função política ou administrativa. Na verdade, segundo o artigo 4º nº1 al.a) do anterior ETAF “estão excluídos da jurisdição administrativa e fiscal os recursos e as acções que tenham por objecto actos praticados no exercício da função política e responsabilidade pelos danos decorrentes desse exercício”. A causa de pedir indicada pelo A… é a não celebração de contrato-programa de financiamento das propinas pagas pelos alunos que frequentam o pólo de Viseu do A., de forma similar à que foi obtida pela Universidade Católica, para os alunos que frequentam o seu pólo universitário de Viseu, através da celebração de contrato-programa com o Ministério da Educação. A celebração de contrato-programa com o A. idêntico ao celebrado com a Universidade Católica, o Estado assumia a responsabilidade pelos «financiamentos compensatórios necessários a suportar os encargos financeiros decorrentes da Universidade Católica Portuguesa propiciar a frequência em Viseu de cursos de ensino universitário de formação inicial, em condições de encargos financeiros para os alunos similares às do ensino superior público, nomeadamente, a nível da propina, por exacta igualização à propina do ensino superior público. Segundo o artigo 58º da Lei nº 46/86 de 14/X (Lei de Bases do Sistema Educativo) “o Estado fiscaliza e apoia pedagógica e tecnicamente o ensino particular e cooperativo” (nº1) e “o Estado apoia financeiramente as iniciativas e os estabelecimentos de ensino particular e cooperativo quando, no desempenho efectivo de uma função de interesse público, se integrem no plano de desenvolvimento da educação, fiscalizando a aplicação das verbas concedidas”. Por sua vez diz-se no artigo 34º da Lei nº113/97, de 16 de Setembro (Define as bases do financiamento do ensino superior público), com epígrafe: «Ensino Superior particular e cooperativo” «1.. Poderá o Estado, para efeitos de alargamento da rede pública de ensino, celebrar, em termos a regular, contratos-programa com os estabelecimentos de ensino cooperativo, particular e de direito concordatário que ministrem cursos considerados de relevância social em áreas entendidas como prioritárias». «2- O Governo regulará, por decreto-lei, no prazo de 90 dias, a extensão gradual aos estudantes do ensino particular e cooperativo do disposto na presente lei em matéria de acção social escolar e empréstimos…”. Acrescente-se, ainda, que no DL. nº102/98, de 21 de Abril, onde o Governo procedeu à regulamentação dos referidos contratos programa, se estatui no artigo 1º/2, que tais contratos «são instrumentos de carácter plurianual através dos quais o Estado coloca à disposição de instituições de ensino superior meios de financiamento público destinados à prossecução de objectivos concretos que não possam ser satisfeitos no quadro do regime normal de financiamento das despesas de funcionamento das mesmas instituições». Ora, assentando a pretensão indemnizatória por parte do A… em responsabilidade civil extracontratual emergente de imputada omissão ilícita de celebração de contrato com o A. atributivo de financiamento, há que apurar se esta omissão se enquadra na função administrativa ou na função política do Estado. Nas palavras de Sérvulo Correia “a função política traduz-se numa actividade de ordem superior, que tem por conteúdo a direcção suprema e geral do Estado, tendo por objectivos a definição dos fins últimos da comunidade e a coordenação das outras funções à luz desses fins” (Noções de Direito Administrativo, vol. 1º, pág. 30). Marcelo Caetano define a função política como a actividade dos órgãos do Estado cujo objecto directo e imediato é a conservação da sociedade política e a definição e a prossecução do interesse geral mediante a livre escolha dos rumos ou soluções consideradas preferíveis (Manual, 10ª ed., 1º vol., pág. 8). Em termos que reforçam a mesma tónica, Marcelo Rebelo de Sousa define a função política como aquela que corresponde à prática de actos que exprimem opções sobre a definição e prossecução dos interesses essenciais da colectividade, e que respeitam, de modo directo e imediato, às relações dentro do poder político e deste com outros poderes políticos (Lições de Direito Administrativo, Vol. I, 1999, pág. 10). Já a função administrativa é o conjunto dos actos de execução de actos legislativos, traduzida na produção de bens e na prestação de serviços destinados a satisfazer necessidades colectivas que, por virtude de prévia opção legislativa, se tenha entendido que incumbem ao poder político do Estado-colectividade (Marcelo Rebelo de Sousa, ob. cit., pág. 11 e 12). Neste sentido, ver: A Função Administrativa – Afonso Queiró, in Revista de Direito e Estudos Sociais, Ano XXIV, págs. 1 e ss.; Sérvulo Correia, Noções de Direito Administrativo, vol. 1º, pág. 29; Marcelo Caetano, Manual, 10ª ed., 1º vol., 12/13). No caso dos autos, não estamos perante uma situação em que esteja em causa a conservação da sociedade política e a definição e a prossecução do interesse geral mediante a livre escolha dos rumos ou soluções consideradas preferíveis, ou perante a prática de actos que exprimam opções sobre a definição e prossecução dos interesses essenciais da colectividade. Como refere Freitas do Amaral “a política, enquanto actividade pública do Estado, tem um fim específico: definir o interesse geral da colectividade” (Curso de Direito Administrativo, vol. 1º, 3ª ed., pág. 44). Estamos antes perante a função administrativa. Na verdade está em causa pôr em prática as orientações tomadas a nível político, ou seja, em dar execução às grandes orientações tomadas a nível político. Nesta orientação tem trilhado a jurisprudência deste STA. Transcreve-se a título de mero exemplo o acórdão de 9/5/2002 (da Secção) “os actos políticos a que se refere o art. 4º n° 1 al. a) do ETAF, são apenas actos dos órgãos superiores do Estado, próprios da função política ou de Governo, relativos à definição dos interesses ou fins primaciais do Estado (Rec. n.º 28 775). Entre outros: Acs. do S.T.A. de 28/10/1993-Rec. n.º 29 424), de 9/6/1994-Rec. n.º 33 975, de 15/11/2000-Rec. n.º 46 420, de 5/3/1998- Rec. n.º 43 438, de 16/4/2002-Rec. n.º 48 174, de 6/2/2001-Rec. n.º 45 990 e de 21/10/2010-Proc. nº 713/2010). Em idênticos termos, defende o TCAN que os “actos políticos são os praticados no desempenho da função política e que têm por objecto directo e imediato a conservação da sociedade política e a definição e prossecução dos interesses essenciais da colectividade mediante a livre escolha dos rumos ou soluções consideradas preferíveis, exprimindo tais actos, precisamente, as opções do poder político, as quais não podem, por isso, ser sujeitas a controlo jurisdicional, por este se ter de situar ao nível do controle de legalidade, não podendo os tribunais exercer, assim, qualquer tipo de apreciação quanto ao mérito ou demérito de tais volições primárias dos órgãos políticos, quando actuem no exercício da função política (Acórdão de 8/5/2008-Proc. nº 44/2006). Ora, o Estado ao não celebrar o contrato-programa com o A… nos termos por este pretendido não está a gerir-se na esfera dos interesses gerais essenciais do Estado, da sociedade, mas sim, a executar tais interesses. Por isso, estamos perante uma omissão ocorrida no desempenho da sua função administrativa e não política. É, pois, da competência dos tribunais administrativos o conhecimento do presente litígio. Em concordância com tudo o exposto, improcedendo todas as conclusões das alegações do recorrente Estado, nega-se provimento ao presente recurso, confirmando-se a decisão que julga improcedente a excepção da incompetência material dos Tribunais Administrativos para dirimir o litígio em exame, baixando os autos para continuação de seus termos. Sem custas. Lisboa, 29 de Março de 2011. Américo Joaquim Pires Esteves (relator) – António Bernardino Peixoto Madureira – Políbio Henriques. |
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