Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 037/12 |
Data do Acordão: | 29-02-2012 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | FERNANDA MAÇÃS |
Descritores: | ACTO CONSEQUENTE DE ACTO ANULADO NULIDADE DE SENTENÇA |
Sumário: | <><><><> >I - Diz-se consequente o acto administrativo cuja prática e conteúdo dependem da existência de um acto anterior que lhe serve de causa, base ou pressuposto e que, assim, é dele raiz e fundamento. II - Por força do art. 133º, nº2, alínea i), do Código do Procedimento Administrativo o acto consequente será nulo se for anulado o acto que lhe serve de pressuposto. III - Tendo ficado demonstrado que o acto de compensação só existiu e foi praticado com aquele conteúdo porque antes existiu o acto de indeferimento da prestação de garantia, entretanto anulado com sentença transitada em julgado, impõe-se declarar a nulidade do acto de compensação por ser um acto consequente daquele. |
Nº Convencional: | JSTA000P13835 |
Nº do Documento: | SA220120229037 |
Data de Entrada: | 16-01-2012 |
Recorrente: | FAZENDA PÚBLICA |
Recorrido 1: | A......, SA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | <><><><>><><><><> >|
Texto Integral: | Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: I – RELATÓRIO 1. A………, S.A., deduziu reclamação visando o acto de compensação de dívidas fiscais do processo de execução fiscal nº 180520110101239, praticado pela Direcção-Geral dos Impostos - Direcção de Serviços de Reembolso, relativo ao reembolso de IRC do ano de 2010. 2. Por sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, foi julgada procedente a reclamação, e, em consequência, anulada a compensação e ordenado o reembolso à reclamante da quantia objecto da mesma. 3. A FAZENDA PÚBLICA, não se conformando, recorre desta sentença, deduzindo alegações, com as seguintes conclusões: “A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a reclamação interposta nos termos do art.° 276° do CPPT, do acto de compensação de créditos n°201100005805518, praticado pela Direcção Geral dos Impostos — Direcção de Serviços de Reembolsos, que incidiu sobre o reembolso de IRC do ano de 2010, utilizando o crédito de imposto cifrado em €178.523,17 para pagamento do débito de €266.471,12, que se encontrava em cobrança no processo de execução fiscal n.° 1805201101010239. B. Nos autos em referência, a douta sentença concedeu provimento à reclamação apresentada e anulou o acto de compensação de dívidas de tributos, por considerar tal acto de compensação ferido de ilegalidade por violação do principio da boa fé, na medida em que é susceptível de trair a confiança da reclamante na actuação da Administração Tributária. C. Entende a Fazenda Pública não ser de proceder a pretensão formulada na presente reclamação, porquanto a AT se encontrava legitimada, face à previsão legal do art° 89° do CPPT, para efectuar a compensação controvertida, a qual não padece de qualquer vício. D. A compensação é um modo de extinção de obrigações com base na circunstância de duas pessoas ou entidades serem simultânea e reciprocamente credor e devedor. E. Como forma de extinção da prestação tributária, o art. 40.° da LGT, no seu n.° 2, prevê expressamente a compensação de créditos tributários. F. Por sua vez, o art. 89° do CPPT determina que os créditos do executado resultantes de reembolso, revisão oficiosa, reclamação ou impugnação judicial de qualquer acto tributário, são obrigatoriamente aplicados na compensação das dívidas à Administração Tributária, excepto se estiver a correr prazo para interposição de meio gracioso ou judicial, ou se estiver pendente um destes meios, desde que a dívida se encontre garantida nos termos do art. 169° do CPPT. G. Sobre a Reclamante impendia uma dívida fiscal, certa, líquida, exigível, reconhecida em título executivo idóneo para a sua cobrança, encontrando-se, por esse facto, reunidos os requisitos para que se efectivasse a compensação, bastando, para tanto, uma mera declaração da Administração Tributária — notificação — para os créditos dos contribuintes se tornassem compensáveis. H. Aliás, no caso sub judice é necessário reforçar a afirmação de que em nenhum momento a dívida exequenda se mostrou garantida nos termos do artigo 169.° do CPPT. I. A compensação foi, portanto, levada a cabo, justamente porque a garantia apresentada não foi aceite. J. Assim, em 21/07/2011, na data do despacho em que foi indeferida a prestação de garantia por inidoneidade, estavam preenchidos os pressupostos enunciados no artigo 89°, n.°1, do CPPT para a Administração Fiscal levar a cabo a compensação. K. Acresce que, a Administração Fiscal está vinculada a aplicar os créditos do contribuinte na compensação das suas dívidas, como resulta da obrigação imposta por esse mesmo n.° 1 do artigo 89°. L. Ademais, o respeito pelos princípios da igualdade e da proibição do arbítrio impõem à Administração Tributária a proibição de concessão de moratórias, bem como a suspensão da execução fiscal fora dos casos previstos na lei (cfr. artigos 36.° n.° 3 da LGT e 85.º do CPPT), por força do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, genericamente enunciado no artigo 30.° da LGT. M. No caso vertente, cumpre salientar que está em causa a segurança do pagamento de dívida tributária vencida de montante avultado, legitimadora da actuação do órgão da execução fiscal, que assume as soluções adequadas à salvaguarda dos interesses do Estado no recebimento das quantias que lhe são devidas, N. Deste modo, do disposto no artigo 199°, n.°2, do CPPT, decorre que a Administração Tributária, expondo a inidoneidade da garantia concretamente apreciada, poderá recusá-la, uma vez que o critério pelo qual se há-de aferir da idoneidade, diante dos preceitos legais aplicáveis, é o de que, para funcionar como garantia, a lei sugere que o meio concretamente oferecido terá de incidir sobre bens ou valores suficientes para assegurar o pagamento da dívida exequenda e respectivo acrescido. O. Isto implica sempre um acto de análise e de apreciação da garantia concretamente oferecida ou dos bens sobre que esta incida, sempre numa perspectiva de adequação ao montante do crédito do exequente e à sua realização (cfr., por igualdade de razões, o art. 219°, n°1, do CPPT). P. Acresce ainda que, pela fiança, o credor passa a ter como garantia de cumprimento da obrigação dois patrimónios, o do devedor que responde por uma divida própria e o do fiador que responde por uma dívida alheia (cfr. artigo 627.º do Código Civil), pelo que a admissibilidade da fiança implica uma análise e apreciação da situação patrimonial do fiador, encargo que representa um esforço administrativo para o órgão da execução fiscal. Q. Análise e apreciação da situação patrimonial do fiador mais ou menos morosa, em função da maior ou menor simplicidade do conjunto de direitos e obrigações que gravitam em redor do fiador. R. Ora, atendendo a que o fiador apresentado pela reclamante nos presentes autos é a sociedade B………, S.A., em virtude da multiplicidade de direitos e obrigações que gravitam em torno desta, é notória a dificuldade e a inerente necessidade temporal para a apreciação sobre a idoneidade da garantia prestada. S. E, porque o fiador se apresenta como um verdadeiro devedor do credor, de acordo com o art. 627°, n°1, do Código Civil, obrigando-se a pagar a dívida de terceiro e respondendo pessoalmente, com o seu património, T. Certo é que em nenhum momento anterior ao despacho reclamado o património do proposto fiador foi determinado rigorosamente pela garante ou pela afiançada reclamante, sem prejuízo do consabido risco financeiro normalmente atribuído à determinação do valor de participações sociais, sejam elas cotadas em bolsa ou não, e da transmissibilidade inerente à actividade da sociedade que as detém, que em abstracto poria sempre em causa a sua idoneidade. U. A esta observação não se opõe a notoriedade da fiadora ou do grupo económico em que se insere invocada na argumentação na sentença recorrida, pois que tal notoriedade, não demonstrada e comprovada para efeitos da conclusão ali formulada, notoriedade que, por si mesma, nada adianta sobre a real situação patrimonial desta. V. E foi por causa da falta de informação da capacidade de execução do fiador em caso de incumprimento do devedor, do valor monetário subjacente que seria realizável, que a fiança, tal como foi proposta na execução em presença, foi recusada por inidónea. W. E não obstante a Reclamante ter dado ênfase ao facto da compensação ter sido efectuada antes da decisão que indeferiu o pedido de prestação de garantia, a douta sentença recorrida considerou, e bem, como assente o facto do despacho que indeferiu o pedido de prestação de garantia datar de 21/07/2011, contemporâneo portanto ao acto da compensação. X. Não faz, por conseguinte, sentido, o apelo a que se esperasse pela decisão relativa à garantia para se tornar efectiva a compensação, porque tal lapso de tempo não existiu. Y. Por outro lado, ao chamar a atenção para o disposto no artigo 165°, n.° 6, a Reclamante esqueceu que foi efectivamente notificada, no dia 03/02/2011, para prestar garantia nos termos deste preceito Z. O Tribunal a quo alicerçou as suas convicções na violação do principio da confiança porquanto impendia sobre a Administração Tributária a obrigação não só de notificar a reclamante do indeferimento da garantia prestada por falta de idoneidade, mas também de notificar novamente a reclamante concedendo novo prazo para apresentar nova garantia. AA. Afigura-se-nos pois, que a questão decidenda nos presentes autos, é da existência ou não de obrigação legal por parte da Administração Tributária, de após ter indeferido a garantia prestada por falta de idoneidade, efectuar nova notificação concedendo novo prazo para a reclamante apresentar nova garantia. BB.A obrigação de notificar o contribuinte para prestar garantia, que vemos no n.° 6 do artigo 169.° foi efectuada ab inicio, não se vislumbrando na lei processual nenhum normativo legal onde conste que após o indeferimento da garantia prestada, existe a obrigatoriedade por parte da Administração Fiscal de enviar uma nova notificação à Reclamante com o mesmo teor da primeira. CC. Sendo certo que se a tal fosse legalmente obrigada, estaria a Administração Tributária manietada de cumprir os seus deveres legais de exequente, na medida em que sendo sucessivamente apresentadas pelo executado garantias inidóneas, estaria a AT obrigada a conceder sucessivas moratórias sem fim legal à vista a tal procedimento. DD. Ora com o devido respeito, não é o que resulta do quadro legal processual aplicável ao caso concreto, a garantia apresentada pela Reclamante não sendo idónea, não estamos pois perante um facto imputável a Administração Fiscal, que a onere com o dever de convidar o sujeito passivo a vir novamente ao processo apresentar outra garantia. EE. Assim, com o devido respeito, não podemos concordar com o doutamente decidido. FF. Igualmente, salvo melhor opinião, considera a Fazenda Pública que não se verificou nenhuma violação do princípio da confiança, em virtude de que nenhuma situação de confiança se encontrava já consolidada para que a reclamante se pudesse dela louvar, traduzida, nomeadamente, em actos por parte do órgão da execução fiscal que gerassem na executada/reclamante a convicção da subsequente aceitação da garantia oferecida, conforme o critério estabelecido no art. 6°-A do Código de Procedimento Administrativo, GG. A aceitação de uma garantia nos termos e para os efeitos do art, 199° do CPPT, implica, obviamente como já referido, um trabalho de análise adequado e proporcional ao montante da dívida a garantir, em vista a confirmar a idoneidade da garantia oferecida, que a priori não permite qualquer expectativa de que a sua aceitação seja previsível. HH. Foi na concretização do princípio da confiança da reclamante por parte da Administração Tributária que a Meritíssima Juiz de Direito entendeu que existiu violação do princípio da boa fé, o qual acarretou, no seu entender, a ilegalidade do acto de compensação reclamado. II. Ora, não foi o que aconteceu no caso sub judice, ou seja, não existiu qualquer violação do princípio da confiança da reclamante na actuação da Administração Tributária. JJ. O princípio da confiança implica um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas expectativas que lhe são juridicamente criadas, censurando-se as afectações arbitrárias, com as quais não poderia a reclamante razoavelmente contar. KK. Verifica-se que nos presentes autos não se verificaram todos os pressupostos necessários “à tutela da confiança”. LL. A administração tributária não violou a confiança da reclamante na sua actuação. Pois sabendo aquela que a garantia prestada seria forçosamente objecto de uma análise, que pela sua complexidade nunca seria “de um dia para o outro”, saberia ou deveria saber que a qualquer momento, poderia esta vir a ser indeferida e como consequência que deriva directamente da lei, ocorrer um facto extintivo da prestação tributária em dívida, como seja a compensação efectuada. MM. Para que ocorresse o nexo de causalidade entre a actuação administrativa e a situação de confiança e, por outro lado a frustração da confiança, seria necessário que se demonstrasse a existência de uma actuação da administração tributária anterior ao próprio acto de compensação posto em crise e geradora de tal confiança, o que não aconteceu nos presentes autos. NN. Sendo certo que a reclamante não pode apenas invocar o princípio da confiança alicerçando apenas, na sua mera convicção psicológica, antes se impondo a enunciação de sinais exteriores produzidos pela Administração, que não existiram, suficientemente concludentes para um destinatário normal e onde fosse razoável ancorar a invocada confiança. OO. Verifica-se pois que não existiu qualquer violação do principio da confiança da reclamante na actuação da Administração Tributária, porquanto, e ao contrário do que entende o Tribunal a quo, bem sabia a reclamante que a garantia por si prestada poderia vir a ser indeferida por falta de idoneidade. PP. Deve considerar-se que a Administração Tributária, na prática do acto de compensação reclamado cumpriu o legalmente preceituado, não padecendo de ilegalidade por violação do princípio da boa fé, na sua vertente da tutela da confiança. QQ. Neste segmento decisório, entende a Fazenda Pública que o acto de compensação objecto da presente reclamação é legal e, assim, deve manter-se no ordenamento jurídico tributário, pelo que, a sentença recorrida incorreu em ERRO DE JULGAMENTO” Em conclusão, solicita a recorrente a revogação da sentença recorrida, com as demais consequências 3- A RECORRIDA A………, SA., veio apresentar as suas contra-alegações concluindo: “i. Vem o presente recurso interposto da sentença, com data de prolação de 24.11.2011, que julgou totalmente procedente a reclamação judicial apresentada contra o acto de compensação de créditos n.º 201100005805518, que incidiu sobre o reembolso de IRC do exercício de 2010, na sequência de despacho do órgão de execução fiscal a indeferir a prestação de garantia através de fiança. ii. Esse despacho do órgão de execução fiscal foi oportunamente sujeito a reclamação judicial, onde, sob o n.º 2572/11.EBEPRT, foi recentemente proferido acórdão pelo Tribunal Central Administrativo, julgando-o ilegal (cfr. doc. n.º 1). iii. Foi esse despacho que indeferiu a prestação de garantia que. supostamente, legitimou a compensação em causa, pelo que, anulado tal despacho por sentença judicial transitada em julgado, o acto de compensação em causa é um acto nulo, porque consequente de um acto anulado (art. 133.º n.º 2 i) do CPTA) - o que é mais do que suficiente para fazer naufragar o presente recurso. iv. Com assento na matéria de facto provada, entendeu o Tribunal a quo, em suma, que «(...) a garantia apresentada só veio a ser rejeitada por despacho de 21/07/2011, notificada à reclamante em 26/07/2011, ou seja, quando já tinha sida operada a compensação, que se concretizou em 21/07/2011.», e que, portanto «(...) não foi dada à aqui, reclamante, a oportunidade de substituir a garantia rejeitada par outra que a Administração Tributário considerasse idónea.)». v. Como bem nota o Tribunal a quo, entre o momento em que a fiança foi prestada e o momento em que foi rejeitada decorreram cinco meses sem que a AF nada tivesse dito, pretendendo agora a Recorrente justificar que, durante esse lapso temporal, a AF se dedicou a escrutinar a capacidade financeira e económica da fiadora. vi. Ao contrário do pretendido pela Recorrente, e como resulta do acórdão do TCAN, proferido no processo n.º 2572/11.EBEPRT, a capacidade da fiadora para garantir o pagamento da dívida exequenda nunca foi colocada em causa no despacho que indeferiu a prestação de garantia através de fiança. vii. Ao contrário do pretendido pela Recorrente, o Tribunal a quo faz notar que a compensação precedeu a notificação do despacho de indeferimento da garantia à Reclamante, sendo que os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes, só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados (art. 36. n.2 1 do CPPT). viii. Como resulta da sentença sob recurso - quer na matéria dada como provada, quer na decisão — a compensação foi efectuada em 21.07.2011 e o despacho de indeferimento garantia, apesar de ter sido proferido na mesma data, apenas produziu efeitos posteriormente, em 26.07.2011 - e daí ter entendido o Tribunal a quo que «(..) até ao dia 26/07/2011 nada fazia prever que a garantia, na modalidade de Fiança, fosse rejeitada, ou que não tivesse produzido os seus efeitos se suspender a execução.» (destaque nosso). ix. Não se vislumbra em que medida a decisão poderia ser diferente mesmo considerando que a compensação e a decisão de indeferimento da fiança são contemporâneas — uma vez que apenas é relevante que a AF veio a indeferir a prestação de garantia depois de decorridos cinco meses após a sua prestação, o que sucedeu, precisamente, por ocasião do acto de compensação que a prestação da garantia pretendia, precisamente, acautelar. x. Neste aspecto, decidiu o Tribunal a quo que «(...) a reclamante tinha expectativas que não se mostram salvaguardadas, ou seja, a compensação operada constitui um acto surpresa, por ser contemporâneo da rejeição da garantia apresentada, sem que à reclamante tivesse sido dada a oportunidade de substituir a garantia rejeitada por uma garantia que a AT considerasse idónea.» (destaque nosso). xi. Assim, tendo a AF indeferido a garantia num momento em que nada o fazia prever, e tendo, simultaneamente, encetado o pagamento coercivo, por compensação, no processo de execução fiscal, sem, previamente, ter dado oportunidade à Reclamante para substituir a garantia prestada, violou, de forma crassa, a confiança depositada pelo Contribuinte e, em consequência, violou o princípio da boa-fé que deve nortear a actividade administrativa (arts. 55.º da LGT, 6.º -A do CPA e 2.º CRP). xii. Sabido que o recurso para este Tribunal tem lugar quando se conheça da matéria de facto e da matéria de direito, a Recorrente limita-se a concluir que existe erro de julgamento - o que faz sem identificar os concretos pontos da matéria de facto dada como provada que, em seu entender, não deveria ter sido dados como provados, ou a indicar os elementos constantes dos autos que impunham uma diferente decisão sobre a matéria de facto. ” 4- O Ministério Público, junto deste STA, emitiu douto Parecer, onde conclui “que não podia ter sido efectuada a dita compensação, pelo que é de manter o decidido que anulou a mesma e determinou o respectivo reembolso.” 5. Com dispensa de vistos, por o processo ser urgente, vêm os autos à conferência. II – FUNDAMENTOS 1. De Facto A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos: “a) Em 19/01/2011, foi instaurado contra a reclamante o processo de execução fiscal n° 1805201101010239, por dívidas relativas a IRC do ano de 2007, no montante de €288.553,29 (cf. informação de fls. 34 dos autos). b) A reclamante, no âmbito daquele processo executivo, solicitou o cálculo da garantia a prestar, tendo sido notificada em 03/02/2001, do valor da garantia a prestar, bem como para no prazo de 15 dias a apresentar (cf. doc. de fls. 34 dos autos). c) Em 15/02/2011, a reclamante com vista à suspensão do processo executivo apresentou Fiança emitida pela “B………, SA”, na qual aquela sociedade se constituía fiadora da, ora, reclamante, até ao montante de €340.003,41, para efeitos de suspensão do processo executivo identificado na alínea a), renunciando ao beneficio da excussão prévia (cf. doc. de fls. 27, 28 e 34 dos autos). d) Em 23/02/2011 a reclamante deduziu impugnação judicial visando as demonstrações das liquidações de IRC dos anos de 2006, 2007 2008 (cf. doc. de fls. 30 dos autos). e) Por despacho do Chefe do Serviço de Finanças da Maia, de 21/07/2011, comunicado á ora, reclamante, pelo oficio n° 10.458, de 21/07/2011, recebido a 26/07/2011, não foi aceite a garantia oferecida (Fiança) para efeitos da suspensão do processo executivo n° 1805201101010239 (cf. doc. de fls. 33 a 37 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido). f) Em 21/07/2011, nos termos do art. 89° do CPPT, a AT procedeu á compensação de créditos, emitindo para o efeito a compensação n° 201100005805518, no montante de €178.523,17, proveniente de crédito/reembolso de IRC do ano de 2010 (cf. fls. 23 a 25 dos autos). g) A reclamante apresentou reclamação do acto do Chefe do Serviço de Finanças da Maia, que lhe indeferiu a prestação de garantia através de fiança, tendo a competente reclamação corrido termos neste Tribunal sob o n° 2572/11.5BEPRT, a qual veio a merecer provimento por sentença de 24/10/2011, ainda não transitada em julgado (cf. doc. de fls. 68 a 89 dos autos, que aqui se dá por reproduzida). h) A presente reclamação foi intentada em 16/08/2011 (cf. doc. de fls. 2 dos autos).” 2. De Direito 2.1. Da delimitação do objecto de recurso: das questões a apreciar e decidir 2.1.1. da Vem o presente recurso interposto pela Fazenda Pública da sentença proferida pela Mmª. Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou procedente a reclamação deduzida pela recorrida contra o acto de compensação de dívidas fiscais do processo de execução nº 180520110101239, praticado pelo Director-Geral dos impostos, relativo ao reembolso de IRC do exercício de 2010. Para tanto, ponderou a Mmª. Juíza, entre o mais, que; · “Desde o momento em que a garantia (Fiança) foi apresentada (15/02/2011) até ao momento em que foi rejeitada (21/07/2011) decorreram 5 meses sem que a AT nada tivesse dito, criando na reclamante a expectativa da aceitação da garantia apresentada, até porque, anteriormente, a Fiança já tinha sido aceite pelo SF da Maia como garantia idónea” (…); · “(…) a reclamante tinha expectativas que não se mostram salvaguardadas, ou seja, a compensação operada constitui um acto surpresa, por ser contemporâneo da rejeição da garantia apresentada, sem que à reclamante tivesse sido dada a oportunidade de substituir a garantia rejeitada por uma garantia que a AT considerasse idónea (…)”; · “(…) impunha-se à Administração Tributária, em ordem ao cumprimento do princípio da boa fé, que notificasse a reclamante, para, querendo, prestar outra garantia antes de proceder à compensação. Não o tendo feito, violou este princípio, na medida em que é susceptível de ter traído a confiança da reclamante sem que tivesse previamente tido oportunidade de prestar nova garantia de modo a obstar à prática do acto reclamado”. Mais adiante pode, ainda, ler-se que “O princípio da confiança implica um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas expectativas que lhe são juridicamente criadas, censurando-se as afectações arbitrárias, com as quais não poderia a reclamante razoavelmente contar. E é precisamente este o caso dos autos, ou seja, a AT sem nada dizer à reclamante, volvidos 5 meses da apresentação da Fiança, rejeita-a e procede simultaneamente à compensação da dívida, sem antes facultar-lhe a possibilidade de substituir a garantia recusada por outra que pudesse ser aceite”. Nesta sequência, conclui-se, na sentença “a quo”, “que o acto de compensação da dívida exequenda operada pela AT, ao abrigo do disposto no art. 89º do CPPT, na pendência da impugnação, após a garantia prestada ter sido rejeitada, volvidos 5 meses da sua apresentação, (mas sem que, dadas as circunstâncias concretas, tivesse anteriormente sido ordenada a notificação da reclamante para, querendo, prestar nova garantia em substituição da rejeitada), padece de ilegalidade por violação do princípio da boa fé.” Inconformada com a sentença “a quo” veio a Fazenda Pública, em extensas alegações, invocar factualidade que não encontra suporte na matéria de facto dada como provada, uma vez que diz respeito às dificuldades de apreciação da idoneidade da garantia prestada pela recorrida e que constitui objecto de outro processo, entretanto decidido com trânsito em julgado. É o que se passa, designadamente, com o vazado na conclusão R, quando refere que “(…) em virtude da multiplicidade de direitos e obrigações que gravitam em torno da (…)” Fiadora B………, S.A., “é notória a dificuldade e a inerente necessidade temporal para a apreciação sobre a idoneidade da garantia prestada”; na conclusão T, quando refere que “em nenhum momento anterior (…) o património do proposto fiador foi determinado rigorosamente pela garante ou pela afiançada reclamante….”; e, finalmente, quando na conclusão V refere que “foi por causa da falta de informação da capacidade de execução do fiador em caso de incumprimento do devedor, do valor monetário subjacente que seria realizável”, que a fiança foi recusada por inidónea. Note-se, porém, que a Fazenda Pública, tal como resulta, em especial, da conclusão AA e seguintes acabou por não extrair consequências jurídicas destes factos, tendo acabado por centrar a questão objecto de recurso na dilucidação do problema posto nas conclusões Z e AA. Na primeira, a Fazenda Pública, alega que “O Tribunal a quo alicerçou as suas convicções na violação do principio da confiança porquanto impendia sobre a Administração Tributária a obrigação não só de notificar a reclamante do indeferimento da garantia prestada por falta de idoneidade, mas também de notificar novamente a reclamante concedendo novo prazo para apresentar nova garantia”. Pelo que, na sua óptica, “a questão decidenda nos presentes autos, é da existência ou não de obrigação legal por parte da Administração Tributária, de após ter indeferido a garantia prestada por falta de idoneidade, efectuar nova notificação concedendo novo prazo para a reclamante apresentar nova garantia” (conclusão AA). Tendo em conta o exposto, verifica-se que a factualidade invocada se apresenta, em abstracto, indiferente para o julgamento da causa e não interfere com a interpretação e aplicação das normas jurídicas convocadas para a sua resolução. Assim recortado o objecto de recurso, há-de concluir-se que o mesmo versa sobre matéria exclusivamente de direito, sendo por isso competente para o seu conhecimento este Supremo Tribunal (Neste sentido, cfr., entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29/9/2010, proc. nº 266/2010.) . Nesta sequência, em face das conclusões, que delimitam o âmbito do recurso, a questão a decidir reconduzir-se-ia ao problema de saber se estava a recorrente obrigada a notificar a recorrida do indeferimento da garantia prestada por falta de idoneidade concedendo-lhe novo prazo para apresentar nova garantia antes de proceder à compensação, sob pena de ilegalidade por violação dos princípios da boa-fé e da protecção da confiança. Entretanto, a recorrida, nas contra-alegações, veio alegar que o despacho do órgão de execução fiscal que indeferiu a prestação de garantia foi oportunamente sujeito a reclamação judicial, tendo sido julgado ilegal por Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo (nº 2572/11.EBEPRT- pontos i e ii das contra-alegações e fls. 156 a 163 dos autos). E tendo sido “esse despacho que indeferiu a prestação de garantia que, supostamente, legitimou a compensação em causa (…), anulado tal despacho por sentença judicial transitada em julgado, o acto de compensação em causa é um acto nulo, porque consequente de um acto anulado [art. 133º, nº2, alínea i), do CPA]- ponto iii das conclusões. Impõe-se, desta forma, a apreciação preliminar desta questão prévia consistente em saber se o acto objecto do presente recurso tem a natureza de acto consequente do acto que indeferiu à ora recorrente o pedido de prestação de garantia através de fiança. 2.2. Da questão prévia da nulidade do acto de compensação por se tratar de acto consequente de acto anulado A anulação de um acto administrativo importa como efeito necessário a reposição da situação jurídica e de facto ao seu estado anterior ao momento da sua prática, o que significa que devam ser retirados da ordem jurídica todos os actos que se constituíram por causa do acto entretanto anulado. Foi desta forma no âmbito da execução da sentença anulatórias que a doutrina e a jurisprudência construíram a noção de acto consequente como o acto administrativo praticado, “ou dotado de certo conteúdo, por se suporem válidos actos anteriores que lhes servem de causa, base ou pressuposto” (Cfr. FREITAS DO AMARAL, A Execução das Sentenças dos Tribunais Administrativos, Edições Ática, Lisboa, 1967, pp. 112 a 116.Ver também MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e Outros, Código do Procedimento Administrativo, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 1997, pp. 650/51.). Também na jurisprudência deste Supremo Tribunal, diz-se consequente o acto administrativo cuja prática e conteúdo dependem da existência de um acto anterior que lhe serve de causa, base ou pressuposto e que, assim, é dele raiz e fundamento” (Cfr. o Acórdão do STA de 4/12/2002, proc nº 0654/2002. Sobre o conceito de acto consequente, cfr., ainda, entre outros, o Acórdão do STA de 27/5/2004, proc nº 043423; e o Acórdão de 23/10/2008, proc nº 0558/2008.) . Temos, assim, um acto administrativo que é produzido e dotado de certo conteúdo por se supor válido um determinado acto administrativo anterior, que lhe serve de causa ou de pressuposto. Por outro lado, sendo esse acto que serve de raiz e fundamento anulado implica a nulidade automática dos actos consequentes, uma vez que o efeito retroactivo da anulação retira da ordem jurídica o pressuposto ou a base do acto consequente. O que quer dizer que o acto consequente não pode ser identificado com qualquer acto cronologicamente posterior a outro acto administrativo que com ele tinha uma qualquer conexão, exigindo-se que se trate de um acto “cuja prática ou sentido foram determinados pelo acto agora anulado ou revogado, e cuja manutenção é incompatível com a execução da decisão anulatória ou revogatória. Só quando se verificar esta incompatibilidade com a execução de sentença anulatória é que os actos consequentes se podem considerar nulos, directa e automaticamente: caso contrário, nem anuláveis são” (Cfr. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e Outros, ob. cit., p. 650.) . Esta solução construída pela doutrina e jurisprudência veio a ser acolhida com mais propriedade no art. 133º, nº 2, alínea i), do CPA onde se refere que são nulos “os actos consequentes de actos administrativos anteriormente anulados ou revogados, desde que não haja contra-interessados com interesse legítimo na manutenção do acto consequente”. Do preceito decorre que o legislador optou pela não consagração automática da nulidade de todos os actos consequentes tendo sido sensível à necessidade de acautelar os eventuais interesses de terceiros que tenham interesse legítimo na sua manutenção. Aplicando o exposto ao caso em análise, vejamos, então, se o acto objecto do presente recurso integra o conceito de acto consequente. No caso em apreço, resulta da matéria dada como provada, que a recorrida, com vista a suspender o processo de execução fiscal, que lhe foi movido por dívidas relativas ao IRC do ano de 2007, apresentou fiança emitida pela “B………, SA” [cfr. as alíneas a) a c) da matéria dada como provada]. Sobre a idoneidade da garantia prestada, prescreve o art. 199º que “o executado oferecerá garantia idónea, a qual consistirá em garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer outro meio susceptível de assegurar os créditos do exequente” (Sobre o conceito de garantia idónea, cfr. o Acórdão do STA, de 15 de Fevereiro de 2012, proc nº 126/12-30 e jurisprudência aí citada.) . Ora, tendo a impugnante prestado garantia na modalidade e no prazo legal que lhe foi concedido e que era susceptível de assegurar os créditos do exequente, nos termos do nº 1 do art. 199º do CPPT, quando, em 23/2/2011, deduziu impugnação judicial, a execução era de se considerar suspensa (No Acórdão do STA de 15 de Fevereiro de 2012, proc. nº 89/12, ficou consignado que inequivocamente, o nº 1 do art. 89º do CPPT não permite a compensação nos casos em que, tendo sido deduzida impugnação judicial contra a liquidação da dívida exequenda, esta se mostre garantida nos termos daquele Código…”.) , segundo o disposto no art. 169º, nº1, do CPPT. E, a ser assim, afigura-se que não poderia ocorrer a compensação, de acordo com o estatuído na última parte da alínea b) do nº 1 do art. 89º do CPPT. Acontece que a Administração Tributária, no dia 21/7/2011, emitiu despacho a comunicar à ora recorrida que fora indeferida a garantia oferecida (Fiança) para efeitos da suspensão do processo executivo e, no mesmo dia, procedeu à compensação de créditos provenientes de reembolso de IRC, nos termos do estatuído no nº 1 alínea b) do art.89º do CPPT, com fundamento de que a garantia tinha cessado [cfr. as alíneas e) e f) da matéria dada como provada]. Ainda que se admitisse que a execução fiscal se encontrava suspensa, a verdade é que a partir do momento em que Administração Fiscal indeferiu a prestação de garantia, essa suspensão sempre teria de se dar sem efeito. E, a ser assim, a Administração Fiscal, mesmo sabendo que a recorrida ainda não tinha sido sequer notificada do acto de indeferimento da prestação de garantia, sentiu-se legitimada a proceder à compensação. No sentido apontado alega a recorrente que “A compensação foi, portanto, levada a cabo, justamente porque a garantia apresentada não foi aceite” (Alínea I. das conclusões). E, na conclusão J), diz-se claramente que “assim, em 21/07/2011, na data do despacho em que foi indeferida a prestação de garantia por inidoneidade, estavam preenchidos os pressupostos enunciados no artigo 89º, nº1, do CPPT para a Administração Fiscal levar a cabo a compensação”. A fundamentar a compensação, alega ainda a recorrente, no ponto H das conclusões, que, no caso sub judice, “em nenhum momento a dívida exequenda se mostrou garantida nos termos do artigo 169º do CPPT”, tendo a compensação sido levada a cabo precisamente porque a garantia apresentada não foi aceite (conclusão H). Em suma, é patente que a compensação só se verificou porque a Administração Fiscal indeferiu a prestação de garantia. Por conseguinte, não existe dúvida que o acto de compensação, objecto do presente recurso, é um acto consequente do indeferimento da prestação de garantia. Com efeito, fica demonstrado que ele só existiu ou só foi praticado com aquele conteúdo porque antes existiu o acto de indeferimento da prestação de garantia, ou seja, o acto entretanto anulado pelo TCA Norte. Não havendo contra-interessados com interesse legítimo na manutenção do acto consequente, impõe-se, por isso, declarar a nulidade do acto de compensação em virtude o mesmo se assumir como acto consequente do acto de indeferimento da prestação de garantia anulado por decisão jurisdicional entretanto transitada em julgado. Termos em que procede a questão prévia suscitada pela recorrida, confirmando-se, ainda que com outros fundamentos, a sentença proferida pelo tribunal “a quo”. A procedência desta questão prévia prejudica o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso. III- Decisão Termos em que, face ao exposto, os Juízes da Secção do Contencioso Tributário acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida, embora com outros fundamentos. Custas pela recorrente. Lisboa, 29 de Fevereiro de 2012. – Fernanda Maçãs (relatora) - Casimiro Gonçalves – Lino Ribeiro. |
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