Texto Integral: | Acordam na 2ª Subsecção da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
O Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública do Centro, com sede na Avenida Fernão de Magalhães, 640, 3001-906 Coimbra, em representação dos seus associados trabalhadores a exercer funções em regime de contrato de trabalho em funções públicas, vem nos termos dos arts. 37º nº2 als. a) e c) 114º nº3 al. e), ambos do CPTA intentar providência cautelar antecipatória, prévia à acção administrativa comum de reconhecimento de direito e de condenação da Administração à abstenção de comportamento de emissão de actos administrativos lesivos de direitos e interesses constitucionalmente e legalmente tutelados e, consequentemente, suspender os efeitos do disposto nos arts.19º a 45º da Lei nº55-A/2010 de 31 de Dezembro, contra os Conselho de Ministros e Ministério das Finanças e da Administração Pública, pedindo: (i) que seja decretada a suspensão das normas legais que determinam a diminuição dos vencimentos e dos outros abonos dos associados do requerente a partir do vencimento do mês de Janeiro de 2011, consignada na Lei do Orçamento de Estado, nomeadamente, nos arts.19º e ss. da Lei nº55-A/2010 de 31 de Dezembro: (ii) e consequentemente devem os respectivos serviços continuar a processar os vencimentos e abonos dos associados do A., em conformidade com o quadro normativo-legal vigorante em 2010; (iii) serem os requeridos condenados em custas e procuradoria condigna.
Para tanto alega que as associações sindicais representativas dos trabalhadores não foram ouvidas sobe a normação a criar, os preceitos legais referidos são materialmente inconstitucionais, não há ofensa do interesse público e há fundado receio de produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses visados a assegurar no processo principal.
Deduziu oposição o Ministério das Finanças e da Administração Pública, defendendo, em suma, que a desaplicação ainda que provisória do artº19º da Lei nº55-A/2010 originaria um aumento significativo e não previsto dos custos resultantes da realização de despesa adicional não programada na ordem dos € 52.550.690, perfazendo um total de €655.160.321; a eventual decretação da providência cautelar dificulta ou mesmo impossibilita no plano operacional e financeiro do requerido o cumprimento dos prazos legalmente previstos para o pagamento do vencimento a todos os trabalhadores a exercer funções nos serviços do Ministério; a readaptação do suporte informático de processamento dos vencimentos ao quadro legal vigente em 2010 e a reconstituição do processamento na situação anterior constitui uma operação de elevada complexidade incompatível com o pagamento atempado dos salários e com grande risco de execução por não distinguir os destinatários do vencimento por categoria ou carreira e, muito menos, por filiação em estrutura sindical. Tudo isto tem consequências lesivas para o interesse público.
Também o Conselho de Ministros deduziu oposição, defendendo-se por excepção e por impugnação.
Para a sua defesa por excepção diz o Conselho de Ministros que a jurisdição administrativa é absolutamente incompetente, nos termos do artº4º nº2 al.a) do ETAF, para apreciação de litígios que tenham por objecto a impugnação de actos praticados no exercício da função política e legislativa; mas mesmo que não se verificasse esta incompetência, o STA não seria o tribunal competente, pois que o Conselho de Ministros não é uma unidade orgânica pelo que não tem serviços que apliquem as normas legais (artº24 do ETAF); a ilegitimidade do Conselho de Ministros porque não tem serviços nem trabalhadores a que sejam aplicáveis os arts.19º e ss. da Lei do OE/2011; depois entende o requerido Conselho de Ministros que há ineptidão do requerimento inicial, porque as providências antecipatórias destinam-se a antecipar os efeitos que se obteriam com a acção principal, ou seja, o pedido que deveria ter sido formulado seria o de intimação para a adopção ou abstenção de uma conduta por parte da Administração (artº112º nº2 al.e) do CPTA) e o pedido é antes o da suspensão das normas; o requerente no seu requerimento inicial não identifica os associados que representa, nem estes lhe passaram mandato; não se verifica nenhum interesse processual qualificado por parte do requerente, estando a tutela jurisdicional efectiva devidamente assegurada com a possibilidade de impugnação do acto administrativo cuja prática se pretende evitar.
Defende-se, ainda, por impugnação o Conselho de Ministros, alegando que a finalidade das providências cautelares plasmada no artº112º do CPTA é assegurar a utilidade da sentença proferida no processo principal, o que não sucede no caso, pois que o processo principal nunca perderá a sua utilidade uma vez que o efeito que alcançará será precisamente o que se pretende com a presente providência cautelar, pelo que falha o primeiro pressuposto; não estamos perante uma situação em que seja evidente a procedência da pretensão a formular no processo principal; mesmo que não seja decretada a presente providência cautelar, nada impede que através da acção principal se consiga o efeito pretendido nesta acção; por outro lado, não nos parece que a não adopção da providência ora requerido cause prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente deseja ver reconhecidos no processo principal; não existe qualquer fumus boni iuris; os danos que resultariam para o interesse público da concessão da providência requerida são manifestamente superiores aos que podem resultar da sua recusa.
Notificado o requerente Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública do Centro para se pronunciar sobre as excepções deduzidas pelo requerido Conselho de Ministros na sua oposição, o requerente nada veio dizer.
Vêm os autos à conferência sem os vistos dos Exmos. Adjuntos.
O requerente faz três pedidos:
1º- o decretamento da suspensão das normas legais que determinam a diminuição dos vencimentos e dos outros abonos dos associados do requerente a partir do vencimento do mês de Janeiro de 2011, consignada na Lei do Orçamento de Estado, nomeadamente, nos arts.19º e ss. da Lei nº55-A/2010 de 31 de Dezembro;
2º- consequentemente o processamento dos vencimentos e abonos dos associados do A., em conformidade com o quadro normativo-legal vigorante em 2010;
3º- a condenação dos requeridos em custas e procuradoria condigna.
O segundo e o terceiro pedidos são consequência da procedência do primeiro, ou seja, da suspensão das normas legais que determinam a diminuição dos vencimentos e dos outros abonos dos associados do requerente a partir do vencimento do mês de Janeiro de 2011, consignada na Lei do Orçamento de Estado, nomeadamente, nos arts.19º e ss. da Lei nº55-A/2010 de 31 de Dezembro;
Porém, e previamente ao conhecimento deste pedidos, há que conhecer das excepções suscitadas pelo requerido Conselho de Ministros, a saber: a)-a incompetência absoluta deste STA por a jurisdição administrativa não ser a competente para conhecer do presente litígio; b)- por o Conselho de Ministro ser pare ilegítima; c)-por haver ineptidão do requerimento inicial, e; d)-e por o requerente não ter qualquer interesse processual.
Começamos por conhecer da excepção da incompetência absoluta desse STA, por o conhecimento do litígio estar excluído da jurisdição administrativa.
Este conhecimento prioritário é imposto pelo artigo 13º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos ao estatuir que “o âmbito da jurisdição administrativa e a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria”.
O expresso neste preceito não mais faz do que manter a mesma posição então consagrada no domínio da anterior legislação (artº3º da LPTA). Ver a título meramente exemplificativo: Acs. do STA de 9/10/1964-rec. nº6 615, in AD.38º, 153, de 7/5/1965-rec. nº6 994, in AD.48º, 1532, de 21/4/1977, in AD. 190º, 885, (2ª Secção) de 4/11/1992-rec. nº14 167, in AD. 382º, 1 011, de 6/6/2007-rec. nº182/2007, de 4/2/2009-Proc. nº519/2008 de 14/1/2010-Proc. nº1062/09 e do TP de 16/6/1972-rec. nº1 946, in AD. 130º, 1 488 e de 14/5/1997-rec. nº36 943.
Para a verificação desta incompetência alega o requerido Conselho de Ministros, em suma, que nos termos do artº4º nº2 al.a) do ETAF, para apreciação de litígios que tenham por objecto a impugnação de actos praticados no exercício da função política e legislativa não é competente a jurisdição administrativa.
Assim, para averiguar da procedência ou improcedência desta excepção temos que começar por conhecer da natureza dos actos cuja suspensão de eficácia vem requerida. Ora o que, além do mais, vem requerido a este tribunal é a suspensão das normas legais que determinam a diminuição dos vencimentos e dos outros abonos dos associados do requerente a partir do vencimento do mês de Janeiro de 2011, consignada na Lei do Orçamento de Estado, nomeadamente, nos arts.19º e ss. da Lei nº55-A/2010 de 31 de Dezembro.
Estatui o artº4º nº2 al.a) do actual ETAF que “está nomeadamente excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto a impugnação de actos praticados no exercício da função política e legislativa”.
Contempla este preceito duas hipóteses cujo conhecimento está vedado aos tribunais administrativos: por um lado, os actos praticados no exercício da função política e por outro, os actos praticados no exercício da função legislativa”.
Tendo sido pedida a suspensão de eficácia de uma lei, há, assim que começar por apurar o conceito de função legislativa.
Segundo Marcelo Rebelo de Sousa, “a função legislativa é a actividade permanente do poder político consistente na elaboração de regras de conduta social de conteúdo primacialmente político, revestindo determinadas formas na Constituição” (Lições de Direito Administrativo, 1999, pág.11).
Para Marcelo Caetano, função legislativa do Estado é a actividade dos órgãos do Estado que têm por objecto directo e imediato estatuir normas de carácter geral e impessoal inovadoras da ordem jurídica (Manual de Ciência Política e Direito Constitucional, 6ª ed.,1º vol., 166).
Para Jorge Miranda, função legislativa directa é a função que tem por objecto imediato a lei em sentido material, quer se trate de criação de normas jurídicas, quer de interpretação, modificação, suspensão ou revogação de normas jurídicas preexistentes (Direito Constitucional – Lições, 1982, pág.297).
Para Esteves de Oliveira legislar é a actividade dos órgãos estaduais que consiste na criação de preceitos gerais e abstractos contendo a disciplina jurídica primária do ordenamento jurídico, na criação de normas jurídicas sem outros limites ou dependências que não sejam os resultantes de preceitos constitucionais (Direito Administrativo, vol. 1º, pág. 20).
Na jurisprudência tem-se entendido como função legislativa a actividade permanente do poder político consistente na elaboração de regras de conduta social de conteúdo primacialmente político, revestindo determinadas formas previstas na Constituição (Conflito nº370).
A função legislativa como a actividade permanente do poder político consiste na elaboração de regras de conduta social de conteúdo primacialmente político, revestindo determinadas formas previstas na Constituição (Ac. do STA de 16/3/2004-Proc.nº1343/03).
Face ao périplo doutrinal e jurisprudencial uma coisa se pode concluir desde já, e é a de que nem a criação de todas as normas cabem no conceito de função legislativa.
Os actos normativos, de acordo com o artº112º da CRP, dividem-se em duas grandes categorias: os actos legislativos, por um lado, e os actos regulamentares, por outro, comportando cada uma destas categorias várias espécies.
A elaboração de regulamentos faz parte da função administrativa do Estado.
A Constituição inclui entre os actos legislativos não só as leis formais da Assembleia da República (leis do parlamento, leis formais) mas também os actos normativos editados pelo Governo no exercício de funções legislativas - os decretos-leis. Por outro lado, reflectindo o sentido de autonomia regional instituída pelo diploma básico de 1976, ligou-se a função legislativa ao exercício de poderes normativos autónomos (competência legislativa autónoma), daí resultando a existência de actos legislativos de âmbito regional: os decretos legislativos regionais. A articulação de todos estes actos legislativos justifica o sentido formal de lei no ordenamento constitucional português:
são leis todos os actos que, independentemente do seu conteúdo, são emanadas pela Assembleia da República, pelo Governo e pelas assembleias legislativas regionais, de acordo com os procedimentos e no exercício das competências legislativas jurídico-constitucionalmente estabelecidas (Ac. do STA de 16/3/2004-Proc.nº1343/03).
A função legislativa referida no artº4º nº2 al.a) do ETAF contempla só a lei no sentido formal.
Como decidiu este STA “à luz do direito positivo vigente, é lei todo o acto que provenha de um órgão com competência legislativa e assuma a forma de lei ou decreto-lei, pelo que a declaração de ilegalidade de uma norma está excluída da jurisdição administrativa e fiscal, nos termos do artigo 4º nº2 al.a) do ETAF” (Ac. da Secção Tributária de 21/1/2009-Proc. nº811/08; no mesmo sentido: Ac. do STA de 5/12/2007-proc. nº1111/06 e de 26/10/2006-Proc. nº2555/2006).
No caso concreto, o Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais do Centro requereu a suspensão das normas legais que determinam a diminuição dos vencimentos e dos outros abonos dos associados do requerente a partir do vencimento do mês de Janeiro de 2011, consignadas na Lei do Orçamento de Estado, nomeadamente, nos arts.19º e ss. da Lei nº55-A/2010 de 31 de Dezembro. Requereu, assim, aquele Sindicato a suspensão de determinados preceitos da Lei nº55-A/2010 de 31/12. Ora, a elaboração do Orçamento é da reserva exclusiva da Assembleia da República (artº161º al.g] da CRP).
Estamos, assim, perante um acto legislativo inserido na função legislativa, cujo conhecimento está vedado aos tribunais administrativos (artº4º nº2 al.a] do ETAF).
É, pois, incompetente este tribunal para conhecer da matéria do primeiro pedido.
O conhecimento dos restantes pedidos formulados pelo requerente (continuação do processamento dos vencimentos e abonos dos associados do A., em conformidade com o quadro normativo-legal vigorante em 2010 e a condenação dos requeridos em custas e procuradoria condigna) fica prejudicado face à incompetência material deste tribunal para conhecer do primeiro formulado.
Sem custas.
Lisboa, 10 de Maio de 2011. – Américo Joaquim Pires Esteves (relator) - António Bento São Pedro - Fernanda Martins Xavier e Nunes. |
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